FOLHETIM NO DIA DA FESTA, PORTAS LEU O SEU DESTINO
FICÇÃO POLÍTICA. Os turistas que enchiam Portugal espantavam- se com a campanha eleitoral morna. Cercados por uma Europa em ebulição, eles próprios em crise política e económica, e nada... Eram cegos, os turistas: não sabiam reconhecer um bocejo
AAproximava- se o outono. Os turistas continuavam a ser muitos pelo lisboeta Chiado e a portuense Santa Catarina e admiravam- se com a placidez portuguesa. A Europa explodia pelas costuras, as ilhas gregas com confrontos entre nacionais e imigrados, Valeta, a capital de Malta, em estado de sítio depois de a câmara ter sido ocupada por gente dos campos de refugiados, o comboio Eurostar sem atravessar a Mancha ia para 15 dias ( os clandestinos entupiam o túnel), e os portugueses bocejavam numa campanha eleitoral morna que abriria oficialmente no domingo, 20 de setembro. Só os franceses de direita reconheciam uma Europa assim tão mansa, embora, para comparar, tivessem de recorrer à ficção. Em agosto, eles tinham lido no jornal conservador Le Figaro o habitual folhetim de verão, assinado por um tal Philippulus. Ficção política passada em 2016, em que o Presidente François Hollande chorava pelos cantos do Eliseu porque Philae, a sua cadela labrador, tinha desaparecido. O nome do autor do folhetim inspirava- se no profeta que abria o álbum de Tintim A Estrela Misteriosa. Uma estranha vaga de calor caía sobre a Europa e, pelas ruas, o profeta de barba e manto brancos batia um gongo, anunciando o fim do mundo: “Arrependei- vos!” O canito Milu assustou- se e até o intrépido repórter tremeu. Parecia, porém, que neste Portugal, setembro de 2015, isso não surtiria efeito. Se Philippulus anunciasse o fim dos tempos saltando ao caminho de António Costa, o líder da oposição portuguesa provavelmente aconselharia: “Calma, a campanha eleitoral só começa no domingo e cada coisa tem os seus prazos...” Há um ano ele tinha conquistado a liderança do PS – porque o país estava sem rumo, o governo navegava à vista e a oposição, sem capitão. Tornou- se ele o líder, mas só começou a preparar as legislativas muito mais tarde. Costa voltou para a Câmara de Lisboa, onde continuou presidente ainda seis meses. O partido estava sem dinheiro e não se encontraram vinte socialistas capazes de lhe garantir um ordenado decente durante esse tempo. O que ele ganhou em não ter de dar explicações a magistrados por causa da generosidade de amigos, perdeu em eficácia. Em 1991, Jorge Sampaio, também presidente da câmara, continuou a sê- lo até às legislativas e, por causa disso, pagou com a maioria absoluta de Cavaco. Agora, António Costa pareceu querer seguir- lhe o exemplo e só passou a dedicar- se a tempo inteiro – àquilo que a esquerda dizia ser tão capital e urgente, mudar de rumo político – em abril, a cinco meses das eleições. O amadorismo no caso dos cartazes, em agosto, mostrou que o patrão fora da loja era também pernicioso na política. Houve tempo para um bom programa económico, bem recebido, mas fogo fátuo. Depois, nada.
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Fez- se o balanço a três dias de abrir a campanha eleitoral, 20 de setembro. Dos três líderes, um queria perder por pouco, outro ganhar por pouco e Passos Coelho queria prolongar ao máximo o patamar de Peter a que o destino generoso o tinha alçado. O eleitorado, é certo que receoso mas desesperadamente à procura da rolha, estava morto por escutar gente clarividente. Mas nem mais um só aceno de que havia ali políticos com ideias. E, no entanto, problemas novos e graves existiam: “Portugal perante uma tempestade demográfica perfeita”, titulou o Financial Times, em plena pré- campanha, sem causar eco. Costa estava, então, de férias no Algarve, sem respostas a esses magnos problemas nem, tão- pouco, com fotos a ir de toalha à praia. O adversário, Passos Coelho, também não tinha solução pela perda galopante de população, mas, ao menos, aproveitava os dias de praia na Manta Rota para se mostrar bom pai de família. Entretanto, a locomotiva do governo atrelou a carruagem do CDS à festa anual do PSD no Algarve. A 15 de agosto, Paulo Portas foi mostrado num mar laranja, no calçadão da Quarteira. Os socialistas ainda não tinham digerido as trapalhadas dos cartazes. Com a tolice dos seus desempregados falsos, eles tinham perdido um dos melhores argumentos eleitorais: o desemprego como assunto de debate. Por seu lado, o PSD conduzia a campanha de forma profissional. A Festa do Pontal esteve marcada para o dia 14, mas ao estudar eventual concorrência, o PSD soube do concerto, nesse dia, no estádio da Quarteira, dum DJ francês. Passaram a festa para 15... O partido mais poderoso do país sabia reconhecer a força dum simples manipulador de músicas. E, assim, preparava- se para continuar o partido mais poderoso do país. Os últimos anos tinham sido de humilhações constantes. Sair do gabinete para ir ao cinema com o pai, que viera do Porto visitá- lo, e receber a convocação. – Podia chegar aqui a São Bento, por favor? É urgente. Esses telefonemas constantes, que podiam ser seis, sete por dia. Depois, a humilhação do ter de recolher o que dissera, o famigerado “irrevogável.” Ainda o estava a ver, ao detestado primeiro- ministro, a anuir, balançando a cabeça, que percebia as razões dele, Paulo Portas, em não aceitar a promoção da adjunta das Finanças, a Maria Luís. E, depois, ouvi- lo a nomeá- la na mesma! Lembrou- se do Saddam Hussein que também julgou perceber que a embaixadora americana em Beirute, balançando a cabeça, aceitava a invasão do Koweit. O Saddam, ao menos, não morreu de úlcera do estômago por ter de engolir vexames, invadiu mesmo. Mas ele teve mesmo de aceitar. Se os seus ministros, o LP, a Assunção..., ofereceram- lhe a demissão conjunta dos do CDS, os seus jovens secretários de Estado roeram a corda. Não iam trocar o futuro deles pela lealdade.
Tudo águas passadas, até àquela festa, deles, no calçadão algarvio. A lógica política da coisa, entendia – iam juntos a votos e o PSD fora generoso nas listas. Ficava bem um gesto do CDS e ele estava disposto a dá- lo e deu- o. Esteve lá. O pior foi o subentendido, o que não se explica e ele sentiu. Paulo Portas sentiu- se mostrado como o rei bárbaro aliado, a quem o cônsul faz questão de passear na entrada triunfal em Roma. E foi então que ele soube que seria sempre um mero aliado e nunca um huno, godo ou o que for, capaz de conquistar São Bento.
Continua amanhã...
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