O agosto, a campanha e o início de época
Visto do Sul, parece sempre tudo tão mais leve. Se ao agosto juntarmos a proximidade das eleições, a torrente de candidatos presidenciais e os egos histéricos de Jesus e de Bruno de Carvalho, quase que o país parecia ser outro.
Mas como nada muda tanto num par de semanas, poucas horas e dois ou três indicadores bastam para nos devolver a realidade. Nos últimos dias, por exemplo, foram divulgados dados sobre a evolução do consumo em Portugal. Números que suscitaram preocupação e dúvidas, por mostrarem, em primeiro lugar, um acentuado regresso do crédito, mas também por sugerirem um aumento da confiança das famílias na economia. Em teoria, só consome mais e se endivida para tal quem tiver melhores expectativas sobre o seu futuro.
Ora, segundo o Banco de Portugal, o crédito não só voltou a crescer, como atingiu o valor mais elevado desde março, ou seja, um máximo de três meses. O crédito ao consumo subiu 21,5% face a junho de 2014, tendo sido o crédito automóvel o que mais contribuiu para esta evolução. Também, segundo a síntese de conjuntura do Instituto Nacional de Estatística ( INE), o consu- mo de bens duradouros, que reflete a compra de bens mais caros, como automóveis, computadores e eletrodomésticos, está a crescer quase tanto como nos idos anos noventa ( mais 18% do que há um ano). Perante isto, e se juntarmos a evolução mais recente das importações, surgem perguntas óbvias : a retoma da economia portuguesa explica- se, sobretudo, pela recuperação do consumo das famílias, que começam a sentir, ao fim de quatro anos, algum alívio no orçamento? Será este um sinal de que os portugueses não aprenderam nada com a crise e vão voltar a cair na armadilha no endividamento? O desequilíbrio externo poderá agravar- se ainda mais, à medida que forem repostos, nos próximos anos, os cortes de salários e pensões? É este o momento do frio no estômago. Porque a economia portuguesa não mudou assim tanto na última legislatura, muito menos nos últimos meses. Pode criticar- se a medida da austeridade, diabolizar a asfixia imposta às famílias e duvidar da eficácia destas políticas na resolução das debilidades da economia, mas Portugal continua a ser o mesmo, com as mesmas virtudes e defeitos. Os empresários e as empresas são as mesmas, o investimento estrangeiro não desembocou todo por cá, o país continua a produzir pouco e pouco mais, menos do que é preciso, e o desemprego continua elevado. Continuamos, afinal, o mesmo país sobreendividado e com um tecido produtivo frágil. Afinal, visto do Norte, a leveza é insustentável e, desejavelmente, apenas o resultado de mais um agosto, de mais uma campanha eleitoral e de um novo início de época nas nossas vidas.