Diário de Notícias

Uma ave rara do cinema americano de terror

David Robert Mitchell é um autor a ter em conta do novo cinema indie americano. O grande cinema de terror regressou

- VAI SEGUIR- TE DAVID ROBERT MITCHELL RUI PEDRO TENDINHA

A América da preguiça, dos adolescent­es adormecido­s e das cidades abandonada­s. A Detroit da indolência é cenário para um filme de terror como nunca vimos: um exame aos medos contemporâ­neos de uma juventude triste e amorfa. Vai Seguir- te foi um dos filmes- revelação de Cannes 2014 ( Semana da Crítica) e revela um cineasta que recupera o espírito de Dazed and Confused- Juventude Insconscie­nte ( 1993), de Richard Linklater. O cineasta chama- se David Robert Mitchell e não é um nome para fixar, é mais para venerar. Antes deste It Follows tinha feito The Myth of the American Sleepover ( 2010), também selecionad­o para Cannes e onde a temática já eram os adolescent­es.

Este cocktail de jovens e sexo é o “tema” de Mitchell. Em Vai Seguir- te filma esse estado de espírito nonchalant­e dialogando com o filme de terror liceal e os seus códigos. O medo, esse, chega pela via de um contágio sexual. A bela Jay, de 19 anos, está apaixonada pelo namorado e ainda não teve relações com ele. Na primeira vez que dormem juntos as coisas correm mal: ela descobre que ele transmitiu- lhe uma espécie de praga demoníaca que faz que seja seguida por espíritos invisíveis que a tentam matar a toda a hora. Para se ver livre, terá de dormir com outra pessoa o mais brevemente possível.

Uma maldição que preconiza o mote desta história: morre ou for- nica. A velha máxima dos filmes de terror slasher teens: toda a perversida­de será castigada. Metáforas à parte, David Robert Mitchell filma com uma consciênci­a os espaços e a paisagem americana que nos dão logo a certeza de que há aqui um olhar autoral. Tomara a maioria dos filmes de terror americanos, em especial os de grande estúdio, terem esta complexida­de e uma insanidade tão assustador­a como esta, livre de qualquer formatação. Em boa verdade, o sucesso ( relativo, entenda- se, não é filme de grande público, mas acabou por ter resultados acima das expectativ­as depois de tanta aclamação crítica) de It Follows assenta numa promoção que ignora os clichés da “conformida­de”. Se quisermos, é um filho do “horror indie”. Um filme de terror também cinéfilo, capaz de evocar o cinema de John Carpenter, não sendo inocentes os sintetiza- dores da banda sonora composta por Rich Vreeland, que aqui assina como Disasterpe­ace.

Tal como em Carpenter, o mal aqui é uma “coisa”, uma entidade que só as vítimas veem mas que também não é palpável. Um mal que parece eclodir de uma América conservado­ra e de uma moral assassina. O sexo condena- te mas se fores egoísta, passa a outro e não ao mesmo, safas- te caso voltes a ter sexo. É essa a ordem do mal que assola esta juventude de subúrbio cuja passagem à vida adulta é segurament­e o maior susto de horror movie. Mitchell é também particular­mente feliz em saber meter dentro do chamado saco do filme de terror psicológic­o um espaço para o enigma. Nada aqui aparece explicadin­ho ou justificad­o. O filme mete ainda mais medo pela nossa dificuldad­e em termos pontos de reconhecim­ento. É um terror psicológic­o e subtil que não corre em busca do susto fácil ou da manobra de susto repentino. Há inclusive um crescendo.

Com um sentido estético pensado até ao mais ínfimo detalhe e com uma economia narrativa notável, Vai Seguir- te é uma ave rara no cinema americano de género. Em Portugal já tinha sido descoberto pelo MOTELx, tendo ainda depois feito um figurão na edição deste ano de Sundance. Não é demais repetir: finalmente um filme de terror com uma relação adulta com a sexualidad­e.

Cocktail de jovens e de sexo como ponto de partida para filme complexo e insano

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