Diário de Notícias

Saber regressar

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Há 600 anos, a Conquista de Ceuta, embora envergando ainda as vestes medievais, iria iniciar uma nova era. Numa espécie de disfarce, a jovem dinastia de Avis pegava no estandarte das Cruzadas para fundar uma nova ordem global, que Voltaire, em 1756, sintetizou brilhantem­ente: “Foi esta viagem de Gama que mudou o comércio do mundo antigo estabeleci­do desde os tempos de Alexandre, o Grande.” D. João I escolheu Ceuta e não Granada, porque o segredo de 1415 seria 1498. A conquista militar preparava um império, mas marítimo e comercial. De mercadoria­s e ideias. Portugal não era a nova Roma. Não podia ocupar extensiva e intensivam­ente território­s. Seria quanto muito uma nova Fenícia. Precisava de entreposto­s e testas- de- ponte. Isso o reconheceu o grande dominicano Francisco de Vitoria, em 1538, elogiando Portugal por fazer tratados comerciais com reinos desconheci­dos, enquanto Cortez e Pizarro terraplana­vam impérios milenares, sem outro direito que não o do mais forte. Afinal, o império, como bem o salientou Adriano Moreira, foi triplo: na Ásia, no Brasil e, finalmente, em África. Com um rigor metafísico, Hegel vê nos lusíadas a vanguarda do “fogo patriótico” da Europa das nações livres. Para ele, os rios de Espanha tornaram- se mar e liberdade com as velas portuguesa­s que o vento da “coragem e da astúcia” enfunou. Ceuta abria o caminho para a Europa- Mundo. Como foi possível este povo de menos de dois milhões de almas ter deixado tantas marcas em tantos outros? Foi a pergunta a que Charles Boxer, e outros, dedicaram toda a sua obra. Como poderá Portugal regressar à Europa? É a pergunta que Antero procurou enfrentar na sua genial simplifica­ção do Casino, em 1871. Como permanecer aqui, sem que nos roubem a alma? É a pergunta que cabe aos portuguese­s de agora responder.

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VIRIATO SOROMENHO- MARQUES

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