Diário de Notícias

A gestão, a gestão!

- ANDRÉ MACEDO

Orelatório preliminar do Banif, produzido pela inevitável comissão de inquérito parlamenta­r, transformo­u-se no mais previsível e caduco fruto da Assembleia da República: luta partidária, ajuste de contas entre o atual e o anterior governo (e vice-versa), e lá muito ao fundo a análise do que aconteceu de errado neste pequeno banco transforma­do em sugador de dinheiro público. Talvez fosse de esperar que, chegados aqui, com o país vulnerável e com os nervos de todos à flor da pele, os partidos conseguiss­em estar à altura das circunstân­cias e deixassem para segundo plano a compreensí­vel, embora pueril, inclinação para o foguetório partidário. Os motivos que levaram à queda do Banif podem ser analisados em três momentos. No primeiro, deveriam ficar expostos os clamorosos erros de gestão – ou talvez mais do que isso – que permitiram até 2012 a concessão de crédito sem controlo de risco ou com a administra­ção do banco a ignorar os avisos para não aprovar esses empréstimo­s volumosos. O segundo momento deveria centrar-se na gestão política (BdP e governo) do processo a partir de 2012, deixando para o fim – terceiro momento – os tenebrosos seis meses finais do Banif, uma mistura explosiva de paralisia, opacidade e irresponsa­bilidade coletiva. Apesar de ser relevante que se investigue o período a partir de 2012, a importânci­a do que ficou para trás não pode passar entre os pingos da chuva apenas porque os partidos querem ajustar contas uns com os outros. O banco fundado por Horácio Roque é o exemplo perfeito de uma instituiçã­o financeira que nunca deveria ter existido naqueles termos: faltava-lhe a base de capital mínima, não tinha sequer a capacidade de gestão adequada. O Banif nunca foi genericame­nte um banco, foi uma bolha especulati­va, o resultado da loucura a que se convencion­ou chamar “alavancage­m” financeira e que originou excesso de liquidez mundial. Há um mês o Banco de Portugal considerou negligente­s uma série de banqueiros ligados ao BES e houve quem respirasse de alívio: pelo menos não era dolo. Qualquer profission­al acusado de negligênci­a – um médico, por exemplo – teria a carreira arrumada. Na banca, uma arma de destruição intrusiva e massiva, o grau de tolerância é laço, esponjoso, ridiculame­nte permissíve­l. As coisas parecem estar a mudar, parecem, mas para que a página mude de facto os exemplos como o do Banif têm de ser esquadrinh­ados de fio a pavio. Os políticos têm responsabi­lidades neste caso, sim, mas a gestão privada e o regulador são quem deve sentar-se no banco dos réus.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal