Trump serve discurso ao estilo de Nixon a um partido desunido
Candidato republicano aceitou nomeação, apresentando-se como alternativa a políticos tradicionais. Traçou cenário negro do país
Ivanka Trump acabava de sair do palco onde apresentara a sua mensagem positiva – “o meu pai não olha à cor nem ao género” ou “ele vai lutar para que as mulheres recebam salários iguais por trabalhos iguais” – quando Donald Trump se dirigiu aos delegados à convenção republicana reunidos em Cleveland para traçar um cenário negro da América e do mundo. Denunciando o “legado de morte, destruição, terrorismo e fraqueza” que a sua agora rival democrata às presidenciais de 8 de novembro, Hillary Clinton, deixou quando saiu do Departamento de Estado, o milionário republicano prometeu ser o candidato “da lei e da ordem” – palavras a recordar o discurso de Richard Nixon em 1968.
Horas depois de Trump encerrar a convenção e aceitar a nomeação com um discurso em que os analistas viram “mais retórica do que substância”, quase todos os jornais americanos se dedicaram ao mesmo exercício: o fact checking do que o candidato republicano disse nos 75 minutos que passou no palco. A acreditar em Trump, os EUA são um país cercado por potenciais imigrantes ilegais, ameaçado pelo Estado Islâmico, enfraquecido por infraestruturas obsoletas e por acordos comerciais injustos e atingido por uma onda de violência racial.
Para apoiar as suas declarações, Trump apresentou uma série de dados e estatísticas que, depois de alguma análise, se revelam na maior parte falsos ou pelo menos não dão o cenário completo. Segundo o jornal online Politico, quando o magnata garante que “Hillary Clinton propõe receber refugiados sírios apesar de não haver forma de saber quem são ou de onde vêm”, está a desvirtuar a realidade. O governo federal americano tem um programa que investiga todos os candidatos a refugiado antes de aceitar os seus pedidos, num processo que chega a demorar 18 a 24 meses. Quanto à afirmação de que o número de famílias de ilegais que entraram nos Estados Unidos neste ano já ultrapassou o total de 2015, segundo os dados da guarda fronteiriça citados pelo The NewYork Times, é verdade. Este ano há registo de 51 mil pessoas que entraram nos EUA ilegalmente com família; em 2015 foram 40 mil.
Em termos económicos, Trump garantiu que “a América é um dos países do mundo onde se pagam mais impostos”. Longe da verdade, também segundo o Politico. A carga tributária nos EUA corresponde a 24% do PIB, quando a média nos países da OCDE é de 34%.
Trump apresentou vários dados corretos. Como quando sublinhou que a taxa de homicídios “aumentou 17% no ano passado nas 50 maiores cidades na América”. Foi de facto o maior aumento em 25 anos. Quanto ao número de polícias mortos em serviço neste ano ser o dobro do que no mesmo período de 2015, a CNN explica que o total é o mesmo do ano passado, mas que os agentes mortos neste ano com armas de fogo – 17 em sete meses – até subiu 82%, com a estação de televisão americana a considerar portanto verdadeira a afirmação de Trump. De fora do sistema O discurso de Trump encerrou quatro dias de uma conferência que revelou todas as divisões num partido republicano cujo aparelho parece desconfiar de um candidato que a ala mais moderada vê como demasiado radical ao defender a expulsão dos 11 milhões de ilegais ou banir os muçulmanos de entrar nos EUA e que os mais conservadores veem como um nova-iorquino liberal, com posições pouco consistentes no que se refere ao aborto ou ao casamento gay.
Mas se o establishment desconfia de Trump, as bases parecem adorá-lo, sem se deixarem abalar pelas polémicas. E apostam tudo num empresário de sucesso, vindo de fora do sistema e que em novembro irá pela primeira vez a votos nos seus 70 anos de vida.
O próprio Trump sabe que apresentar-se como uma alternativa aos políticos tradicionais é um dos seus pontos fortes. Por isso garantiu: “Entrei na arena política para que os poderosos deixem de poder pisar o povo que não se pode de- fender”. E rematou: “Ninguém conhece o sistema melhor do que eu, por isso é que só eu o posso tornar mais justo.”
Com quatro meses até às eleições e com as sondagens nacionais a darem-no praticamente empatado com a rival democrata, Trump sabia que precisava de uma boa prestação no último dia da convenção. O milionário centrou assim os ataques em Hillary – um dos poucos pontos em que todos os republicanos parecem estar de acordo. Para Trump, a ex-primeira-dama não passa de um fantoche das grandes empresas, manobrada pela elite dos media e pelos financiadores e cujo objetivo é manter o atual sistema político como está.
Trump terminou a noite rodeado pela família: a mulher, Melania, e os cinco filhos, Donald Jr., Eric e Ivanka (do primeiro casamento), Tiffany (do segundo) e Barron (do terceiro, com Melania). Ao seu lado estava também o candidato a vice-presidente, Mike Pence, e a família do governador do Indiana. Mas a estrela da noite foi mesmo Ivanka. De vestido Trump atacou Hillary. Segundo ele, a democrata deixou um “legado de morte, destruição, terrorismo e fraqueza” quando saiu do poder. Magnata teve a família na assistência. À esquerda, os filhos mais novos: Tiffany e Barron. Ivanka discursou rosa-pálido, foi numa voz suave que a mais velha das filhas do candidato elogiou um homem que “sempre lutou pela família, sempre lutou pelas suas empresas e agora vai lutar pela América”. Um discurso elogiado, de tal forma que há já quem veja a ex-modelo e empresária a seguir as pisadas do pai e candidatar-se à Casa Branca em 2024.