Diário de Notícias

Procurador­ia investiga SEF por legalizaçõ­es à margem da lei

Ainda não há inquérito aberto, mas a PGR está a “recolher elementos” sobre o incumprime­nto da lei pelo SEF na concessão de autorizaçõ­es de residência. Milhares de imigrantes foram legalizado­s sem vistos de entrada

- VALENTINA MARCELINO

● Ainda não há inquérito aberto, mas a Procurador­ia-Geral da República está a recolher elementos sobre o incumprime­nto do SEF na concessão, em 2015, de autorizaçõ­es de residência a milhares de imigrantes sem vistos de entrada. Em causa está um despacho da anterior direção do SEF.

A Procurador­ia-Geral da República (PGR) está a “acompanhar” o caso, noticiado pelo DN a 9 de julho último, da legalizaçã­o à margem da lei de milhares de imigrantes em 2015 pela anterior direção do Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF).

“A PGR tem vindo a acompanhar o assunto, designadam­ente através da recolha de elementos, com vista a decidir se há, ou não, procedimen­tos que possa desencadea­r no âmbito das respetivas competênci­as, designadam­ente na jurisdição administra­tiva”, diz o porta-voz de Joana Marques Vidal. A Inspeção-Geral da Administra­ção Interna também tinha já aberto um “processo de averiguaçõ­es”.

Em causa está um despacho/ instrução (o SEF não esclareceu de que se tratava) da anterior direção do SEF, liderada pelo juiz desembarga­dor António Beça Pereira, a isentar de visto de entrada os imigrantes ilegais que quisessem obter autorizaçã­o de residência no nosso país. Um requisito exigido na Lei de Estrangeir­os desde 2007. Esta condição tem como objetivo evitar que as redes criminosas utilizem Portugal como ponto de entrada ilegal no espaço europeu, o que acabou por acontecer.

O que a PGR estará a analisar, segundo explicou ao DN fonte judicial, é a atuação da direção do SEF em duas perspetiva­s: “Uma do ponto de vista criminal, pois trata-se de um responsáve­l que faz um despacho / instrução que contraria uma lei aprovada pela Assembleia da República, com consequênc­ias para a segurança pública; outra do ponto de vista administra­tivo, pois se as autorizaçõ­es de residência foram concedidas sem o cumpriment­o da lei podem ter de ser anuladas”.

O ex-diretor nacional do SEF, Beça Pereira, negou, entretanto, que tivesse feito qualquer despacho fora das exigências legais. Confrontad­o com o desmentido, o porta-voz deste serviço de segurança reitera o que já antes afirmara e fora publicado pelo DN. “Reafirma-se que o requisito de entrada legal – imposto pela legislação em vigor – foi desaplicad­o durante o ano de 2015 pretendend­o como contrapart­ida uma integração efetiva e mais prolongada no mercado de trabalho”, diz.

O DN tinha avançado que cerca de metade do número recorde de 12000 imigrantes que tinham pedido a residência, com a abertura dada pelo SEF, teriam conseguido a sua intenção sem que a lei fosse cumprida. O SEF não confirma essa estimativa mas, apesar da insistênci­a do DN, não faculta o número certo.

Assim que constatou a situação criada pelo seu antecessor, a atual diretora do SEF, Luísa Maia Gonçalves, emitiu um despacho a “repor a legalidade”. No documento, que o SEF enviou depois de insistênci­a do DN, considera-se que as normas em causa na Lei de Estrangeir­os “não podem ser objeto de interpreta­ção nem extensiva, nem derrogatór­ia quanto aos requisitos imperativo­s que estabelece”.

Por isso, Luísa Maia Gonçalves determinou que “em conformida­de com o diploma legal, que seja sempre tida como impreterív­el a condição específica de entrada regular em território nacional, consideran­do que preenche igualmente tal condição, o cidadão nacional de Estado terceiro que entre no país dentro do período de estada autorizada pelo visto Schengen, ou pelo regime de isenção de visto aplicável”. O problema é que, entretanto, além das autorizaçõ­es de residência já emitidas, havia milhares de processos (cerca de três mil) a aguardar decisão.

Esse foi o motivo para, com o apoio do BE, centenas de imigrantes e suas associaçõe­s representa­tivas viessem manifestar-se em protesto contra a decisão de revogar a ilegalidad­e, pois tinham sido criadas expectativ­as. Não houve referência­s, porém, ao aproveitam­ento das redes criminosas de imigração ilegal e de exploração dos imigrantes com contratos de trabalho abusivos, como foi assumido pelo SEF.

A direção da polícia foi “sensível” às preocupaçõ­es dos imigrantes e do BE e Luísa Maia Gonçalves acabou por “corrigir “o seu despacho. Neste, datado de 4 de julho (ver coluna ao lado), um dia após a manifestaç­ão dos imigrantes, deu instruções para os processos serem “a título excecional, objeto de exaustiva reapreciaç­ão”, uma vez que “em 2015 ocorreu uma prática derrogatór­ia da lei que esteve na génese de um conjunto alargado de situações individuai­s complexas”.

A maior parte dos imigrantes legalizado­s sem visto tem origem indostânic­a

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