Uma Hillary mais avó, um partido mais à esquerda e um país mais dividido
MUDANÇAS. Oito anos depois de Hillary Clinton ter tentado pela primeira vez a nomeação à Casa Branca, muita coisa mudou. Tanto na estratégia da candidata, como nos democratas que agora a vão confirmar como nomeada e na própria América
Para cumprir o sonho, não repetir os erros do passado
› Há oito anos, Hillary Clinton tinha tudo para ganhar: um apelido de peso, uma máquina partidária bem oleada, uma vasta experiência como primeira-dama e depois senadora e até um ex-presidente como marido. Mas perdeu. Perdeu a nomeação democrata para um jovem e pouco conhecido Barack Obama, cuja mensagem de mudança conquistou o partido e depois o país, fazendo dele o primeiro presidente negro dos EUA ao vencer as presidenciais de 2008. Passados oito anos, Hillary Clinton sabe que esta é a sua última oportunidade de cumprir o sonho de se tornar na primeira mulher presidente dos EUA. Afinal tem 69 anos e uma nova candidatura em 2020, com uma nova derrota pelo meio, é quase impensável. Para garantir a nomeação democrata, a mulher que pelo meio juntou a chefia da diplomacia ao currículo, soube mudar de estratégia: mais próxima do eleitor, sem medo de jogar com o facto de ser mulher e avó (a filha Chelsea acaba de lhe dar o segundo neto) ao mesmo tempo que sublinha uma experiência sem igual entre os candidatos. Hoje, após meses de luta contra Bernie Sanders pela nomeação democrata, Hillary vê começar a convenção que a vai confirmar como candidata democrata. Resta saber se esta estratégia chega para derrotar Donald Trump em novembro e tornar o sonho da presidência realidade.
Uma viragem à esquerda para ficar na Casa Branca?
› Em 2008, eram uns Estados Unidos cansados de oito anos de administração do republicano George W. Bush que iam a votos. Oito anos de “guerra ao terror” depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, de guerras no Afeganistão e no Iraque, de uma economia ainda em choque com o que viria a ser uma crise financeira global para a qual o mundo despertara com a falência do banco Lehman Brothers.Neste cenário, não espanta pois que a América tenha aderido à mudança prometida por Obama, ao Yes We Can (Sim, podemos!) que se tornou seu slogan. Passados oito anos, a Al-Qaeda deu lugar ao Estado Islâmico como maior ameaça à segurança mundial e a pior da crise financeira parece estar para trás – mesmo se o brexit veio criar um novo desafio aos aliados europeus dos EUA. Mas quem esperava que esta corrida à nomeação fosse um passeio para Hillary não contava com o aparecimento de Bernie Sanders. O senador do Vermont, com o seus 74 anos e um discurso antissistema fez o impensável: conquistou os jovens e classe média, venceu caucus e primárias e deu luta até ao fim. Acabou por declarar o apoio a Hillary. Mas os seus apoiantes – e são muitos – esperam ver no programa da candidata democrata pelo menos algumas das ideias de Sanders, um autodenominado “socialista democrático”. E os votos desta ala mais à esquerda, a ala que desconfia das ligações de Hillary a Wall Street e denuncia as décadas que esta passou na mais alta esfera do poder, serão essenciais para derrotar Donald Trump em novembro.
Uma América dividida e um rival incendiário
› Nas últimas semanas foram várias as mortes de jovens afroamericanos por polícias brancos.
E vários também os consequentes ataques contra agentes por parte de atiradores negros que se queriam vingar por o que consideram ser a violência policial excessiva sobre a sua comunidade. Estes episódios violentos vieram revelar profundas tensões raciais na América e tornaram-se assunto da campanha para as presidenciais. Apressando-se a culpar os democratas – de Obama a Hillary – pela atual situação, Donald Trump decidiu apresentar-se na convenção republicana como o candidato da “lei e da ordem”. O milionário garante ser o único capaz de repor a segurança nos Estados Unidos. Para isso tem várias propostas, desde construir um muro na fronteira com o México para travar a entrada de imigrantes ilegais (traficantes e violadores”, segundo o candidato republicano) até “derrotar os bárbaros do Estado Islâmico”, passando por banir os muçulmanos de entrarem nos EUA. Diante da retórica beligerante do adversário republicano, Hillary apresenta-se como a candidata do equilíbrio e da sensatez. Até a sua escolha para candidato a vice, o senador Tim Kaine da Virgínia, um homem experiente que gosta mesmo de se definir como “aborrecido”, reforça a tentativa de apresentar o ticket democrata como o anti-Trump. Mas num país tão dividido como são os EUA neste momento, resta saber se a sensatez prevalece sobre a mensagem incendiária.