Diário de Notícias

A batalha pela Turquia

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA Jornalista

Oque sabemos do que se passou na Turquia na noite de 15? Que militares saíram à rua em Ancara e em Istambul, que na capital o Parlamento foi atacado enquanto na metrópole do Bósforo as pontes estiveram bloqueadas por tanques; e que o hotel onde o presidente estava de férias em Marmaris foi bombardead­o, mas sem ele lá.

O que sabemos sobre a reação ao golpe? Que Erdogan usou as redes sociais para apelar à população que desafiasse os militares e que todos os partidos turcos condenaram o ataque.

O que sabemos da retaliação aos golpistas? Que Erdogan e o primeiro-ministroYi­ldirim acusam Gülen e os seus seguidores nas forças armadas de terem organizado o putsch, que exigem que o clérigo seja extraditad­o dos Estados Unidos e que está em curso uma vastíssima purga à confraria Hizmet.

O que sabemos das críticas à dureza de Erdogan? Que os europeus estão escandaliz­ados com o possível regresso da pena de morte e que os americanos consideram inaceitáve­l as suspeitas de apoio aos golpistas; que a metade dos turcos que nunca votou Erdogan ou AKPre ceia que os is la moconserv adores aproveitem par alimpar o aparelho do Estado dos críticos e prosseguir a erosão do legado laico de Atatürk.

Que sabemos de Erdogan?Queéo político mais bem-sucedido da história da Turquia, tendo sido eleito autarca de Istambul, primeiro-ministro e em 2014 presidente; que foi preso em 1997 por declamar um poema em que falava de minaretes, que tem dedicado a última década a agradar à metade conservado­ra de Turquia e que de início era bem-visto pela União Europeia por manter os generais nos quartéis; que sob a sua liderança o país tem sido um caso de sucesso económico; que quer celebrar em 2023 o centenário da república fundada por Atatürk sobre as ruínas do Império Otomano, exibindo também crescentes tiques autoritári­os.

Que sabemos da vocação europeísta da Turquia? Que começou na era otomana, quando a corte trocou o Topkapi pelo Dolmabahce, um palácio tipo Versalhes à beira-Bósforo; que foi realçada por Atatürk, que adotou o Código Civil Suíço, mandou os homens trocar o fez pelo chapéu e fez das turcas cidadãs, com uma das filhas piloto de guerra; que foi confirmada pelos governante­s turcos que desde 1963 pedem a adesão à União Europeia; e que chegou a ser a aposta de Erdogan, a ponto de este dar direitos culturais aos curdos e acabar com a pena de morte.

Que sabemos de como se sente a Turquia ? Que está dividida entre os que querem o Ocidente como modelo e os que preferem um destino entre o neo-otomanismo e o panturquis­mo; que sente que os americanos apenas estão preocupado­s com a base de Incirlik para bombardear o Estado Islâmico e os europeus só querem ter alguém que sustenha a vaga de refugiados.

Que sabemos que podemos fazer para salvaguard­ar o país de Atatürk e mantê-lo ponte com o mundo islâmico? Não criar complexo de cerco à Turquia, admitir que a rejeitámos no passado, aceitando-a na NATO mas não na UE, e também não diabolizar Erdogan. Há uma batalha pela Turquia para ganhar.

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