Diário de Notícias

Em busca do segredo da longevidad­e, já se compra dados genéticos

Farmacêuti­ca adquire banco de dados de 13 mil habitantes da Sardenha, onde muitas pessoas vivem acima dos 100 anos

- FILOMENA NAVES

Dietas e estilos de vida saudáveis, boa disposição e alegria em doses q.b. são uma espécie-base da piza para uma vida longa, mas é evidente que isso não basta, porque nem sempre as coisas coincidem. Por isso, acredita-se que um dos segredos da longevidad­e terá forçosamen­te de estar também nos genes. O facto de algumas populações ou grupos concentrar­em números anormalmen­te elevados de pessoas centenária­s, em relação à média geral, sugere que é assim, e por isso já há quem esteja em campo para tentar desvendar essa genética centenária. Cientistas, claro, mas também empresas de biotecnolo­gia, como a britânica Tiziana Life Sciences, uma farmacêuti­ca, que acaba de comprar um banco de dados genéticos de 13 mil pessoas de uma região da Sardenha onde a proporção de pessoas com mais de 100 anos .... é totalmente desproporc­ionada.

A região em causa é Ogliastra, na Sardenha, onde um em cada dois mil residentes consegue viver o tempo necessário para festejar o centésimo aniversári­o – em média, no mundo desenvolvi­do, essa proporção é de um em dez mil. No banco de dados figuram os perfis de 13 mil habitantes daquela região. Aquisição rocamboles­ca A compra do biobanco tem o seu quê de rocamboles­co, como conta o Financial Times. Na prática, ele era inicialmen­te de uma empresa italiana de investigaç­ão em genética, fundada em 2000 por Renato Soru , um empresário italiano. Soru acabou por vender o biobanco ao Hospital San Raffaelle, de Milão, em 2004, quando se tornou governador da Sardenha (entretanto, ele próprio foi condenado a três anos de prisão por evasão fiscal). Na sequência de um escândalo de corrupção, o hospital foi por sua vez à falência e acabou por vender o banco de dados genéticos à empresa britânica. O que vai passar-se agora? Como explicou o presidente da Tiziana Life Sciences, Gabriele Cerrone, o manancial de cerca de 230 mil amostras biológicas (incluindo amostras de sangue congelado) vão ser passadas a pente fino para tentar encontrar marcadores genéticos associados à longevidad­e.

“Poderemos fazer uma poção milagrosa para que as pessoas vivam mais tempo? Provavelme­nte não. Mas podemos comparar as suas particular­idades genéticas com as de populações de outras regiões do mundo para ver o que os diferencia”, explicou o líder da empresa, citado pelo Financial Times. E depois, cauteloso: “Uma parte é dieta e ambiente, claro, mas pode ser também algo genético, ainda não sabemos.”

Havendo mesmo algo distintivo nos genes daquela população da Sardenha, os investigad­ores da Tiziana terão de alguma forma o trabalho facilitado, porque aquele grupo populacion­al é muito homogéneo – os seus antepassad­os radicaram-se ali há muito – e isso tornará mais fácil a identifica­ção de particular­idades num estudo comparativ­o.

A par disso, garante Gabriele Cerrone, a empresa procurará também assinatura­s genéticas relacionad­as com várias doenças, algumas associadas ao envelhecim­ento, para tentar identifica­r alvos terapêutic­os para o desenvolvi­mento de novas drogas. Uma demanda antiga O mito do elixir da juventude nunca deixou de ser isso mesmo: um mito, que encheu páginas de romances e fez correr quilómetro­s de fita nos cinemas. No entanto, com o advento nos últimos anos dos novos conhecimen­tos e técnicas da genética e da biologia molecular, tornou-se possível, pelo menos, começar a estudar o processo de envelhecim­ento e pensar em estratégia­s que possam revertê-lo.

Há quem esteja, por exemplo, a estudar – com algum sucesso, para já, em leveduras e vermes - a possibilid­ade de usar os compostos antioxidan­tes presentes nas uvas, como o resveratro­l, para retardar o envelhecim­ento e prolongar a vida. O velho dito de que um copo de vinho tinto às refeições dá saúde e prolonga a vida terá, afinal, a sua razão de ser.

Outras abordagens são ainda mais laboratori­ais, com a nova possibilid­ade de reprograma­ção de células adultas, algumas delas centenária­s, devolvidas ao seu estado inicial de células pluripoten­tes (as que dão origem aos tecidos diferencia­dos). Isso foi concretiza­do pela primeira vez em 2011. Também em Itália, e já este ano, cientistas americanos e italianos das universida­des da Califórnia e de Roma, iniciaram mais um estudo populacion­al, desta vez sobre sobre um grupo de 300 pessoas de Accioroli, uma remota aldeia do Norte de Itália, todas com 100 anos ou mais.

Está prevista a recolha dos dados genéticos e de saúde em geral das pessoas, bem como a caracteriz­ação exaustiva da sua alimentaçã­o e hábitos de vida. Pode ser que nada disto seja ainda o caminho para o elixir da juventude, mas talvez se descubram alguns dos segredos do envelhecim­ento saudável e de uma vida mais longa.

É esperar.

Elixir da juventude pode ser um mito mas ciência tem avançado

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