Diário de Notícias

Santana: a guitarra “todo-o-terreno” regressa a Portugal

São dois concertos para uma banda quase cinquenten­ária, liderada por um guitarrist­a virtuoso que plana sobre todos os estilos

- JOÃO GOBERN

Corram-se, por uma vez, os riscos inerentes a todas as generaliza­ções: admitindo desde já todas as possíveis exceções, será justo reconhecer que os laços de familiarid­ade que tantos mantêm com a figura e com o nome de Carlos Santana – mais do que com a sua música – provêm de três portas de acesso e, vamos lá, de uma janela. A saber: os mais antigos e/ou mais atentos, filhos adotivos de Woodstock, conheceram a banda fundada pelo guitarrist­a nascido no México através de uma passagem no mítico festival, com um desempenho desbragado, quase sem regras, do tema Soul Sacrifice, do álbum de estreia do grupo, marcado por ritmos fortes, potenciado por improvisos e solos, de que se destaca um memorável “ataque” à bateria por parte de Michael Shrieve, cuja energia desmentia a cara de bebé – tinha acabado de celebrar o vigésimo aniversári­o. Hoje tem 67…

Ainda assim, maior fruição terá sido distribuíd­a pelos que adotaram alguns temas emblemátic­os de Santana às festas de garagem, mesmo com gira-discos portáteis e roufenhos e com papel celofane colorido a embrulhar os candeeiros… para garantir o ambiente. Na vertente mais animada (chamava-se shakes), andavam por lá Jingo, Evil Ways, Black Magic Woman e Oye Como Va, orgulhosas exibições das influência­s latinas do guitarrist­a líder, rapidament­e assimilada­s pelos acólitos. Mas realmente infalíveis eram duas canções instrument­ais, reservadas para os momentos em que se praticava uma “política de proximidad­e” juvenil (vulgo, os slows), em que Europa, numa fase mais adiantada da década de 1970, e Samba Pa Ti dispunham de lugar cativo.

A terceira “chave” aparece muito mais tarde, quase na viragem do milénio, quando Santana – um conjunto que poderia apresentar um valiosíssi­mo “quem é quem” só com os músicos que integraram o coletivo – ganha direito a uma segunda vida, depois de ter publicado o disco mais vendido do seu vasto catálogo, Supernatur­al, precisamen­te três décadas depois da estreia. A maior responsabi­lidade para esse êxito, quase surpreende­sta dente e deveras inesperado, coube a uma canção cantada por Rob Thomas, Smooth, presente durante meses nas pistas de dança criteriosa­mente selecionad­as. A sensualida­de do videoclip – em que Carlos Santana chega a benzer-se diante da beleza, do dengo bailador de algumas das dançarinas – ajudou bastante ao desfecho. E a banda, que sempre viveu mais da eficácia e do balanço dos espetáculo­s, ganhou um argumento de peso para atrair um público muito mais novo do que vinha sendo regra.

Falta apenas referir a “janela”: a aproximaçã­o de alguns em função das filosofias orientais e de meditação que o guitarrist­a perfilhou e divulgou em discos sucessivos, sobretudo os que publicou em nome próprio. Por falar em nome: durante anos, o protagonis­ta desta história utilizou o nome Devadip Carlos Santana, após um “batismo” do guru Sri Chinmoy, que lhe foi apresentad­o por outro guitarrist­a, John McLaughlin. Por curiosidad­e, “devadip” significa “o candeeiro, luz e olho de Deus”.

O catálogo e as escolhas

Está em causa uma banda que vive as vésperas dos festejos de meio século de existência, fundada que foi em 1967, na Califórnia. Se é verdade que, já em 2016, Carlos Santana convocou uma série de parceiros originais (o referido Michael Shrieve, o teclista Greg Rollie, o guitarrist­a Neal Schon e o percussion­ista Michael Carabello) para gravar Santana IV – algo que, em nome formação pioneira, “ignora” tudo o que se passou desde 1971, ano de edição de Santana III –, não é menos certo que a orientação musical do grupo tem variado consoante as presenças no elenco. Esse rol ultrapassa as seis dezenas de músicos, com destaque para alguns “notáveis”, como José Chepito Areas, Buddy Miles, Armando Peraza, Leon Ndugu Chancler, Greg Walker, Axel Ligertwood, Orestes Vilato, Chester Thompson, David Sancious, Alphonso Johnson ou Myron Dove. E isto sem contar com os convidados especiais.

Uma das consequênc­ias deste “catálogo” está nas viragens estéticas, nas coordenada­s que definem a direção musical, e que vão da música latina ao jazz, do hard rock à pura pop. O único traço de união fica mesmo entregue às mãos de Carlos Santana, um guitarrist­a tão incisivo (os detratores chamar-lhe-iam “saliente”) como flexível (os cépticos não hesitariam em considerá-lo “influenciá­vel”, em função das companhias de cada momento). É verdade que o virtuoso veterano – que há uns dias, a 20 de julho, subiu ao último degrau antes de se tornar septuagená­rio – figura teimosamen­te em todas as escolhas que visam apurar os melhores guitarrist­as da Idade do Rock. Mas não é menos certo que, quase sempre, nessas eleições de egos proeminent­es, Santana é um daqueles que menos consegue estender o seu perfil e a sua identidade à música praticada pelos conjuntos que lidera, aparecendo muitas vezes ao sabor do tempo… e do vento.

Para a presente digressão, Carlos Santana deixou “em repouso” os associados dos primórdios. Trouxe apenas dois dos envolvidos em Santana IV – o baixista Benny Rietveld e o percussion­ista Karl Perazzo –, que, de resto, fornece apenas um par de canções ao alinhament­o: Love Makes the World Go Round e Freedom in Your Mind. O resto vem, como seria expectável, do álbum de estreia (EvilWays, Jingo, Soul Sacrifice), do saudoso e saudável Abraxas (Hope You’re Feeling Better, Black Magic Woman, Oye Como Va) e de Supernatur­al (Smooth, Maria Maria, Corazon Espinado). Europa também não deve faltar. E preparem-se os espectador­es nacionais para um momento reservado ao solo da baterista Cindy Blackman (produtora de discos de Paulo Gonzo e de Áurea) que, há meia dúzia de anos, acrescento­u o apelido Santana ao seu nome, tornando-se a esposa do chefe de “orquestra”. Que, do ponto de vista musical, continua a ir a todas. Quanto a Samba Pa Ti, para matar saudades, só mesmo no regresso a casa.

CARLOS SANTANA

Em 1999, Supernatur­al marca o início de uma segunda vida de Carlos Santana

Amanhã, às 21.00, Pavilhão Multiusos de Gondomar. Bilhetes: € 30 a € 56 Quarta-feira, dia 27 de julho Meo Arena, Lisboa. Bilhetes: € 40 a € 56

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O alinhament­o do concerto do músico nascido no México deve incluir temas mais antigos, como Evil Ways, Jingo, Soul Sacrifice, e outros mais recentes como Smooth, Maria Maria, Corazon Espinado. De fora deverá ficar o icónico Samba Pa Ti.

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