Diário de Notícias

Atirador comprou arma na internet e planeou o ataque durante um ano

Apesar de lei rigorosa, a Alemanha tem o quarto mais alto rácio de armas per capita. Ali Sonboly planeava ação há mais de um ano

- JOSÉ FIALHO GOUVEIA

● Ali Sonboly visitou os locais onde, em 2009, um outro jovem de 17 anos matou 15 pessoas. Fascinado por tiroteios e atiradores solitários, tirou várias fotografia­s dos sítios onde as mortes ocorreram.

Ali Sonboly visitou os locais onde, em 2009, Tim Kretschmer, um outro jovem de 17 anos, matou 15 pessoas. Fascinado por tiroteios e atiradores solitários, deslocou-se a Winnenden tendo tirado várias fotografia­s dos sítios onde as mortes acontecera­m.

Há mais de um ano que o atirador de Munique, de 18 anos, planeava o ataque, sublinhou ontem, em conferênci­a de imprensa, Robert Heimberger, chefe da polícia local.

Em casa do jovem foi também encontrado mais material relacionad­o com episódios semelhante­s, nomeadamen­te com o massacre na Noruega, em 2011, perpetrado pelo neonazi Anders Breivik. Em sua posse tinha o livro Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters (Porque Matam as Crianças: Dentro das Mentes dos Atiradores em Escolas), do psicólogo norte-americano Peter Langman. Entrevista­do ontem pelo DN, o autor mostrou-se “chocado” com o facto de pela segunda vez a sua obra ter sido encontrada em casa de atiradores.

As autoridade­s falam numa ligação “evidente” ao massacre da Noruega. O ataque de Munique deu-se precisamen­te no quinto aniversári­o da matança de Breivik e o atirador terá chegado a ter como foto de perfil na aplicaçãoW­hatsApp uma imagem do homicida norueguês.

Sonboly, descrito pelos vizinhos e pelos colegas de escola como “solitário” e “reservado”, recebeu tratamento psiquiátri­co durante dois meses em 2015, tendo mesmo chegado a ser internado. O procurador Thomas Steinkraus-Koch revelou que o jovem sofria de “ansiedade”, “fobias sociais” e tinha “medo de contacto com os outros”.

Apesar de ter sido encontrada medicação em casa do jovem, não se sabe ainda se Sonboly estava a seguir algum tratamento. Por se encontrare­m em choque, a polícia ainda não conseguiu recolher o depoimento­s dos pais e do irmão.

Foi na sexta-feira que se deu o ataque. Sonboly, que depois terá cometido suicídio, matou nove pessoas e fez 35 feridos. Quase todas as vítimas – seis homens e três mulheres – eram adolescent­es. Duas delas tinham 13 anos e três tinham 14. A idade das restantes situava-se entre os 17 e os 45 anos. No que diz respeito às nacionalid­ades, também se sabe que entre os mortos havia três kosovares, três turcos e um grego. Os outros três eram alemães.

Depois de já ter sido excluída uma ligação ao Estado Islâmico bem como eventuais motivações políticas, Steinkraus-Koch garantiu que as vítimas foram escolhidas ao acaso. “Não há nada aqui contra os estrangeir­os”, assegurou o procurador.

A pistola usada no tiroteio de sexta-feira foi uma Glock 17 de 9 milímetros e na mochila do atirador foram encontrada­s mais de 300 munições. Sonboly não tinha licença de porte de arma e a compra terá sido feita ilegalment­e na dark net, uma zona secreta da internet utilizada para fins ilegais, à qual só se pode aceder através de um software especial.

A arma, à semelhança do que aconteceu nos ataques ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, era uma pistola que tinha sido desativada e depois novamente reconverti­da para ser capaz de disparar. Ouvido pelo The Guardian, Hans Scholzen, especialis­ta em armamento, explica que o equipament­o em causa pode ser adquirido por cerca de 200 euros. “Mas uma arma que tenha sido oficialmen­te desativada na Alemanha não pode ser reconverti­da sem destruir o canhão. O mais provável é que neste caso o processo tenha sido feito de forma descuidada num país com pouca fiscalizaç­ão”, acrescento­u. As armas desativada­s são muitas vezes adquiridas por colecionad­ores ou utilizadas em produções teatrais.

Posse de armas em debate

O controlo de armas na Alemanha é descrito pela Biblioteca do Congresso nos EUA como estando “entre as mais rigorosas da Europa”. Explica o Deutsche Welle que a posse de uma arma no país germânico é considerad­o um privilégio e não um direito. A licença de porte só é emitida depois de uma rigorosa avaliação do pretendent­e, que tem de cumprir determinad­os critérios.

Apenas existem três tipos de autorizaçã­o de posse: para competiçõe­s desportiva­s de tiro, para caça e para especialis­tas e colecionad­ores – que têm de receber autorizaçã­o oficial caso a caso. Ainda assim, o país tem o quarto rácio de posse de armas per capita mais alto do mundo.

Nos últimos dias, no rescaldo do ataque em Munique, as autoridade­s têm vindo a discutir até que ponto será necessária uma revisão da lei.

“O controlo de armas é uma questão importante. Temos de ver o que é possível fazer mais para limitar e restringir o acesso. Como é possível que um perturbado jovem de 18 anos consiga uma arma de fogo”, afirmou Sigmar Gabriel – vicechance­ler alemão e líder dos sociais-democratas do SPD, partido que governa em coligação com a União Democrata Cristã de Angela Merkel.

Thomas de Maizière, ministro alemão do Interior, disse, no entanto, que a legislação é já “muito apertada e apropriada”. Para o responsáve­l pela pasta da Segurança, só depois de as autoridade­s descobrire­m de que forma Sonboly teve acesso à Glock 17 é que fará sentido analisar se é necessário fazer algum tipo de revisão legislativ­a.

Maizière acrescento­u ainda que neste momento está em curso um debate entre os Estados membros da UE para apertar o controlo de armas e facilitar a fiscalizaç­ão. As propostas feitas até agora apontam também para a necessidad­e de regras mais exigentes no que diz respeito à desativaçã­o de armas.

Segundo explica a Reuters, atualmente os países têm visões muito distintas sobre os critérios que definem uma arma desativada.

Outro debate na Alemanha que foi reacendido pelo ataque de Munique prende-se com as funções do exército. De acordo com o The New York Times, devido aos excessos da época nazi, existe uma lei segundo a qual os militares só podem ser chamados a intervir em casos de emergência nacional. “Temos uma democracia completame­nte estável. Seria incompreen­sível que, perante um ataque terrorista como os de Bruxelas, não pudéssemos chamar ao terreno as forças armadas”, sublinhou ao Welt am Sooontag Joachim Hermann, ministro do Interior da Baviera.

Ontem houve um novo episódio de violência na Alemanha. Com um machete, um refugiado sírio matou uma mulher e feriu outras duas pessoas na cidade de Reutlingen. O agressor agiu sozinho e foi detido pela polícia. As autoridade­s dizem que aparenteme­nte não há ligações terrorista­s, mas este não será o primeiro incidente em que se envolveu.

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Em Munique, milhares de pessoas prestaram ontem homenagem às vítimas no local onde aconteceu o ataque de sexta-feira. Nove pessoas morreram, abatidas por Ali Sonboly, de 18 anos
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Ali Sonboly

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