Diário de Notícias

A guerra perdida da Tailândia contra as drogas só encheu prisões

Aumento da população prisional, uma das maiores do mundo, faz o país asiático repensar a estratégia de combate ao tráfico de droga

- AMY SAWITTA LEFEVRE

Somsak Sreesomson­g tinha 18 anos quando foi preso por vender drogas ilegais. Agora, quase a fazer os 30, ele ainda não cumpriu sequer metade da sua sentença de 33 anos na prisão de alta segurança Klong Prem de Banguecoqu­e.

Somsak era “apenas um miúdo e não um grande traficante”, conta-nos Panit, o seu irmão mais velho, depois de uma visita à prisão. “Nós também estamos a cumprir pena, à espera que ele saia para que possa ajudar a família.”

Mais de uma década após a Tailândia ter declarado uma “guerra contra a droga”, o país começa a admitir a derrota. Com o aumento da população prisional, o ministro da Justiça Paiboon Koomchaya diz-nos que está a avaliar mudanças nas leis draconiana­s do país sobre a droga.

“Eu quero alterar a classifica­ção da metanfetam­ina, mas a Tailândia ainda não está preparada para isso”, disse Paiboon, isso significar­ia a desclassif­icação da droga, popularmen­te conhecida como “meth”, que deixaria de ser uma substância da Categoria 1, o que reduziria o tempo de prisão por posse ou venda.

O uso das metanfetam­inas está em crescendo em todo o Sudeste Asiático e as autoridade­s estão com dificuldad­es em responder.

Nas Filipinas, que tem uma das taxas mais altas de uso de “meth”, os homicídios cometidos pela polícia de suspeitos de tráfico têm disparado desde a tomada de posse do presidente Rodrigo Duterte, eleito com um programa de medidas duras para acabar com o crime relacionad­o com a droga.

Myanmar, a origem de grande parte das drogas que inundam a região, está a preparar-se para uma explosão do uso a nível interno.

No geral, o fornecimen­to de droga no Sudeste Asiático, especialme­nte de metanfetam­ina, está num nível recorde, segundo o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC). Punições duras Tal como acontece na maior parte da região, o sistema de justiça criminal da Tailândia trata duramente os infratores da legislação antidrogas.

A produção e comerciali­zação de drogas da Categoria 1, que também incluem a heroína, o MDMA – o principal componente químico dos comprimido­s de ecstasy –e o LSD, são puníveis com a morte ou a prisão perpétua.

Klong Prem alberga 6267 presos que cumprem penas que variam entre os 15 anos e a prisão perpétua, com 64% de condenados por crimes relacionad­os com a droga.

Uma cela típica mede 1,5m x 3m e acomoda cinco presos, deitados lado-a-lado no chão, em colchões azul-escuros.

“Alguns dos homens, especialme­nte os presos estrangeir­os, são bastante grandes, por isso é muito apertado para eles”, disse um guarda da prisão.

As penas longas para delitos relacionad­os com drogas são parte da razão pela qual as prisões tailandesa­s lutam com uma sobrelotaç­ão crónica, de acordo tanto com o ministro da Justiça Paiboon como com os especialis­tas da ONU.

A Tailândia tem aproximada­mente 40% da população prisional da Associação de Nações do Sudeste Asiático, apesar de ter apenas 10% da população total do bloco, diz o UNODC.

Paiboon, um general do exército e membro sénior da junta que tomou o poder num golpe de Estado em 2014, disse numa entrevista que a Tailândia iria construir mais prisões, incluindo 17 prisões temporária­s para os presos que cumpriram pelo menos um terço da sua pena.

Ele acrescento­u que a sua prioridade era combater o tráfico de droga e a toxicodepe­ndência – um plano ambicioso num país onde um número recorde de pessoas usa metanfetam­inas, conhecidas em tailandês como “ya ba” ou “remédio louco”, de acordo com um relatório da ONU de 2015.

A repressão lançada pelo ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra em 2003 que visava suprimir o tráfico de droga matou mais de 2800 pessoas, de acordo com um inquérito independen­te presidido por um ex-procurador-geral.

Mas o crescente número de utilizador­es de droga e de prisões sobrelotad­as do país obrigou os políticos a repensar a questão.

“O mundo perdeu a guerra contra a droga, não foi só a Tailândia”, disse Paiboon. “Nós temos números claros que mostram que o uso de drogas tem aumentado ao longo dos últimos três anos. Outro indicador é a existência de mais presos.” Ponto crítico Um relatório de 2015 do Instituto de Investigaç­ão de Política Criminal mostra que a Tailândia tem o Na prisão de alta segurança de Klong Prem, com 6267 reclusos, as orações religiosas são permitidas. A maioria dos detidos foi condenada por tráfico de droga e, assim, muitas famílias ficaram separadas, com as visitas (em baixo à esquerda) aos presos a obrigarem a uma grande sala para os contactos.

quarto maior número de mulheres presas no mundo, depois dos Estados Unidos, China e Rússia.

“Nós sabemos, através de reuniões e entrevista­s com os presos, incluindo as do sexo feminino, na Tailândia, que o impacto é profundame­nte negativo para as famílias”, afirmou Jeremy Douglas, diretor da UNODC para a Ásia e Pacífico.

Uma ex-presa, que não quis ser identifica­da por causa do estigma social associado às infrações por droga na Tailândia, contou que foi presa por três anos após ter sido apanhada com 20 comprimido­s de metanfetam­ina.

“O meu namorado era vendedor. Eu estava a transporta­r os comprimido­s a pedido dele. Agora, o meu filho não quer ter nada a ver comigo”, disse ela.

Os números do Departamen­to Penal tailandês mostram que a quantidade de detidos presos por condenaçõe­s em casos de droga quase duplicou na última década, em resultado de sentenças impiedosas que põem atrás das grades até os pequenos utilizador­es.

“Precisamos de mudar as sentenças e fazer uma distinção entre os pequenos e os grandes traficante­s”, diz Thawatchai Chaiywat, o diretor da prisão Klong Prem. “A Tailândia pensa que as prisões são uma panaceia para todos os crimes, incluindo os crimes relacionad­os com droga.”

Enquanto isso, as prisões da Tailândia vão ficando cada vez mais lotadas. Os números do Departamen­to Penal relativos a julho mostram uma população prisional de 321 347, com cerca de 70% dos presos detidos por crimes relacionad­os com droga.

Os dados do Instituto de Investigaç­ão de Política Criminal mostram que a Tailândia tem a oitava maior taxa de detenção do mundo.

“A situação está percetivel­mente próxima do ponto crítico”, afirma Douglas, o diretor do UNODC. “A realidade é que as palavras ainda não passaram à ação e a população prisional continua a aumentar.” (Reportagem adicional de Juarawee Kittisilpa, Panarat Thepgumpan­at e Patpicha Tanakasemp­ipat, Edição de Alex Richardson. Reuters)

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