Diário de Notícias

O alto preço do pragmatism­o inadequado da Europa

- WOLFGANG MÜNCHAU Editor do Financial Times

Afacilidad­e com que um observador descobre um desenvolvi­mento insustentá­vel aumenta com a distância. A votação a favor do brexit e as crises da zona euro foram mais fáceis de detetar a partir do outro lado do canal da Mancha.

Praticamen­te todos os meus amigos europeus continenta­is viram que a situação do Reino Unido como membro da UE era insustentá­vel. Como é possível, perguntava­m eles, recusar-se a fazer parte da zona euro e da união bancária, mas ser também um membro de pleno direito do mercado único de serviços financeiro­s? Poucas pessoas britânicas minhas conhecidas compreendi­am sequer a pergunta: diziam que era sensato aproveitar as oportunida­des do mercado único oferecidas a todos os membros. Elas pareciam não se incomodar por Londres atuar como o centro financeiro de outra zona monetária.

Noto uma discrepânc­ia semelhante no entendimen­to da zona euro. Muitos dos meus amigos britânicos já viram claramente há muito tempo que a zona euro é insustentá­vel com base nas políticas e instituiçõ­es atuais. Mas essa visão não é partilhada por políticos e economista­s no continente.

Os críticos britânicos argumentam, com razão, que a união monetária está a falhar devido a uma divergênci­a de desempenho económico. Há agora mecanismos estabeleci­dos, mas eles não vão impedir os Estados membros de se afastarem cada vez mais. A solução é, no mínimo, uma autoridade central encarregad­a do setor bancário e financeiro, um pequeno orçamento e alguns instrument­os de dívida conjuntos. Se a política não permitir isso, tem de se aceitar o axioma de que se alguma coisa não é sustentáve­l acaba por chegar ao fim.

Tem tudo que ver com a sustentabi­lidade. Esta é a principal lição da votação pelo brexit. O Reino Unido vai sair da UE não porque David Cameron, o ex-primeiro-ministro, cometeu um erro tático. Ele cometeu-o, evidenteme­nte. Mas a adesão do Reino Unido está a chegar ao fim porque era insustentá­vel. A UE sempre foi um projeto de integração política. A campanha pela permanênci­a baseou-se na ideia de que isso não era verdade.

Para a UE, uma solução sustentáve­l pode ser definida como o oposto de uma solução pragmática. As soluções sustentáve­is são orientadas para as tarefas; as pragmática­s são frequentem­ente míopes. Em 2008, a recusa alemã da recapitali­zação do sistema bancário europeu parecia pragmática na altura. A chanceler Angela Merkel orientou os outros líderes para a decisão de que cada país resgata o seu próprio sistema bancário. Oito anos mais tarde, o sistema bancário italiano continua insolvente e aguarda uma recapitali­zação urgente. Ainda estamos a debater quais os ativos tóxicos que podem estar ocultos no balanço do Deutsche Bank. A decisão de Merkel foi o início da crise da zona euro.

Vejamos, por exemplo, a decisão igualmente pragmática tomada em 2010 de não permitir um perdão da dívida soberana grega porque os bancos alemães e franceses teriam sofrido perdas desagradáv­eis. Os programas frouxos para a Grécia levaram a uma nova crise em 2012 e novamente em 2015. As últimas notícias da Grécia dizem que a recessão está a acelerar novamente.

As autoexclus­ões do Reino Unido são, talvez, o exemplo mais fatídico do pragmatism­o inadequado. As autoexclus­ões da moeda única e do espaço Schengen sem passaporte pareciam sensatas quando acordadas; elas permitiram que um governo conservado­r superasse as suas divisões internas por um curto período. Mas elas não resolveram o problema subjacente de um país profundame­nte dividido sobre o seu envolvimen­to na Europa. As autoexclus­ões britânicas levaram a um afastament­o progressiv­o entre o Reino Unido e o resto do bloco.

Então quais são as políticas não pragmática­s que os líderes da UE devem adotar? Eu não as classifica­ria em termos dos velhos debates do “federalism­o contra oin ter governamen­tal is mo”,m assim em termos do que é necessário para fazer funcionar determinad­as áreas políticas. A união mone tá riaéa par temais importante da UE, especialme­nte agora que o Reino Unido está de saída. A zona euro vai exigir um maior grau de integração política e de mercado. A zona euro, não aUE,éaúnicaun idade geográfica para a qual um mercado único faz sentido, especialme­nte nos serviços financeiro­s. A zona euro requer também maior integração do mercado, principalm­ente do mercado de trabalho. Ele precisa da livre circulação como estabiliza­dor macroeconó­mico – com as pessoas a deslocarem-se de países com uma alta taxa de desemprego para aqueles com escassez de mão-de-obra; os países da UE que não pertencem à zona euro podem viver muito bem com menos integração.

A solução sustentáve­l consiste assim numa zona euro mais integrada e numa UE com menos integração. Esta última precisa de uma união aduaneira, um mercado único limitado para produtos industriai­s e alguns serviços e outras políticas comuns. Pode haver flexibilid­ade para acomodar as diferentes necessidad­es dos países. Pode até ser possível que o Reino Unido se religue à UE, sem se tornar um membro nuclear.

Eu não espero que haja discussões sérias sobre nada disto antes das eleições nacionais do próximo ano na Alemanha, França e Holanda. Nenhuma das opções acima pode ser acordada a tempo de impedir o brexit. Mas nunca é demais sublinhar a importânci­a destas conversaçõ­es. Elas irão decidir se o brexitéo começo do fim ou o começo de uma nova era da integração europeia.

Solução sustentáve­l consiste assim numa zona euro mais integrada e numa UE com menos integração. Esta última precisa de uma união aduaneira, um mercado

único limitado para produtos industriai­s e alguns serviços e outras políticas comuns. Pode haver flexibilid­ade para acomodar as diferentes necessidad­es dos países. Pode até ser possível que o Reino Unido se religue à UE, sem se tornar um

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