Diário de Notícias

“Em Bollywood não nos limitamos a cantar e a dançar”

Queria ser engenheira espacial, mas o destino empurrou-a para o mundo artístico. Foi miss, estrela de Bollywood e atualmente é a protagonis­ta de Quantico, o que lhe valeu um lugar entre as cem pessoas mais influentes da Time

- MÁRCIA GURGEL em Londres

Na série Quantico, exibida no canal AXN, dá vida à agente Alex Parrish. Qual a importânci­a desta personagem na sua carreira, tendo em conta que é a sua primeira protagonis­ta num produto norte-americano? Não é fácil fazer esse cálculo. Não podemos construir uma carreira a pensar que determinad­o papel vai ser bom ou mau. Eu considero-me uma artista e escolho guiões com base naquilo que eu gostaria de ver. Tem de ser instintivo. Sou uma atriz indiana e sabia que se fosse fazer um trabalho num país diferente teria de ser na mesma estrutura a que estava habituada no meu país e teria de quebrar o estereótip­o que existe em torno de Bollywood. E que estereótip­os são esses? Não quero que coloquem tudo no mesmo saco e que pensem que Bollywood se resume a casamentos e a pessoas a dançar. Nem todos os filmes indianos são assim. A indústria cinematogr­áfica indiana é uma das mais prolíficas do mundo, produzimos cerca de 900 filmes por ano, exibidos em cerca de 200 território­s. Em Bollywood não nos limitamos a cantar e a dançar. Na Índia tudo começa com uma festa, quando um bebé nasce, quando há um aniversári­o, quando ganhamos alguma competição, qualquer coisa. Precisamos de dançar, é assim que expressamo­s o que estamos a sentir. E as histórias dos nossos filmes são um reflexo disso. Ao ser protagonis­ta de uma série norte-americana esperava quebrar esse preconceit­o? Queria sobretudo que me vissem como atriz. Isso era muito importante para mim. Não sabia o que ia trazer à minha carreira, não sabia se nos EUA iam aceitar uma mulher indiana a interpreta­r uma mulher norte-americana. Não sabia se ia conseguir convencê-los com o meu sotaque ou com a minha linguagem corporal. Foi esse o seu grande desafio neste papel? Sim. Interpreta­r alguém de outra nacionalid­ade foi o meu grande teste enquanto atriz. Mas estou feliz por ter tido essa oportunida­de. O que é que aprendeu com esta jovem recruta do FBI? Ela está num caos emocional. Não deixa ninguém entrar na sua vida, tenta preservar-se ao máximo porque quer proteger-se. O que aprendi com ela é que também devia fazer o mesmo [risos]. O que podemos esperar da segunda temporada de Quantico? A Alex vai entrar para a CIA. A primeira temporada fechou um ciclo e agora vamos iniciar outro. Estou muito entusiasma­da com isso e também com o facto de a série se mudar para Nova Iorque [a primeira desenrola-se no estado daVirginia]. O que explica o sucesso da série? A série está dobrada em 44 línguas. Exportamos para 120 países, tais como Peru, Chile, Alemanha, Japão, Reino Unido, Austrália, EUA, etc. A série tem uma história muito interessan­te e bem escrita. E depois, há a curiosidad­e em relação a mim, porque alguns dos filmes indianos em que entrei já foram exibidos nesses países. As pessoas pensam: “Deixa cá ver como é que ela se sai numa série norte-americana.” Este ano venceu um People Choice Award na categoria Atriz Favorita Em Nova Série de TV. O que é que este prémio representa? Soube-me muito bem. Vencer um prémio que é votado pelo público norte-americano foi gratifican­te e avassalado­r. Senti-me aceite. Também foi eleita pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo. .. Pensei: “a sério? Estão a brincar comigo?” Achei mesmo que fosse uma brincadeir­a. Mas depois percebi que era verdade e senti-me muito acarinhada e grata. É uma grande honra fazer parte de uma lista de pessoas tão ilustre. Várias atrizes já falaram sobre as diferenças salariais que existem entre mulheres e homens em Hollywood. Também sente isso? Claro. É um problema global. Não existe apenas na indústria cinematogr­áfica, está presente em quase todas as áreas. O que está por detrás é um problema ainda maior. A mulher sempre esteve em segundo plano, sempre ouviu que era inferior. O feminismo significa duas coisas. Em primeiro lugar, que as mulheres devem encorajar-se e apoiar-se umas às outras. Em segundo lugar, o feminismo precisa de homens. Porque não se trata de odiar os homens mas sim de nos darem a possibilid­ade de tomarmos as nossas próprias decisões com a mesma liberdade que os homens têm há tantos anos. Já foi vítima de racismo ou preconceit­o por ser uma mulher indiana a viver nos EUA? Toda a gente, de uma forma ou de outra, já passou por isso. Pessoas brancas, negras, castanhas... A forma mais fácil de tentar enfraquece­r alguém é fazê-lo através da raça, porque é algo que não podemos mudar. Nascemos assim. A partir do momento em que percebermo­s isso, deixamos de nos sentir afetados. Viramos costas e sorrimos. Ou dizemos: “Deixa-me educar-te e mostrar-te de onde é que venho.” Eu venho da terra do Ghandi, acredito na paz e na tolerância. Nesse sentido considera importante que uma série norte-americana tenha uma protagonis­ta indiana? Quando era criança tive graves problemas de autoestima. Achava que era demasiado magra, falava pouco, era insegura. Muitas meninas escrevem-me e aquilo que digo é que todas temos defeitos. Se identifica­rmos esses defeitos e compreende­rmos que é isso que nos torna únicas, vamos sentir-nos especiais e com um sentimento de poder. “Ok, a cor da minha pele é esta. E é por essa razão que sou fotogénica.” Temos de procurar a nossa melhor versão e não o padrão que foi imposto por alguém. Analisando o seu percurso, era isto que sonhava para a sua vida? Não. Eu queria ser engenheira e construir aviões na NASA. Mas entretanto tornei-me Miss India, depois Miss Mundo, fiz o meu primeiro filme e ganhei vários prémios. E não olhei para trás. Acho que foi o destino. O destino ajuda-nos a ver o caminho, mas depois cabe-nos a nós aproveitar as oportunida­des. A nossa vida é uma combinação das nossas escolhas e somos os únicos responsáve­is pelo seu fracasso e pelo seu êxito.

“Interpreta­r alguém de outra nacionalid­ade foi o meu grande teste

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