Diário de Notícias

“A grande tendência da moda é o conforto”

AGATHA RUIZ DE LA PRADA

- ANA SOUSA DIAS

Sou a louca das visitas aos museus, sinto necessidad­e física. Chego a ver dez numa semana

Encontrámo-nos estava ela a terminar um almoço, colorido como as roupas dela, no hotel ao lado da Casa de Santa Maria. O sol brilhava no mar de Cascais a convidar descaradam­ente à preguiça mas de repente ela levantou-se cheia de energia. Pôs-se a jeito para as fotografia­s, como se nada do que faz perante uma câmara fugisse à personagem da roupa divertida. Gostou muito da saia dourada de outra jornalista que se aproxima a seguir – “Chega cá, deixa-me mexer no tecido, de quem é?” Da Zara. “Ah, deve ter copiado de outro sítio, tem muita lata.” E a conversa lá começou, com muitas gargalhada­s e recordaçõe­s. Como apareceu esta exposição em Cascais? Sempre gostei de fazer exposições. No ano passado fiz onze individuai­s e 25 coletivas. Comecei em Madrid, e depois fui para México, Costa Rica, Calahorra na Rioja, no Norte de Espanha, São Paulo, República Dominicana… Sempre com os mesmos materiais? Eram cinco exposições. Uma era de casacos de chefes de cozinha, outra era esta que está em Cascais, outra era de cartazes. Era um monte de exposições e pensei que neste ano não queria fazer tantas, portanto esta é a única individual, porque estava programada há dois anos. É a minha segunda exposição em Portugal, fiz uma na Cordoaria Nacional, em 2003. Fez uma exposição de homenagem a Chillida. Como aconteceu? Começou por ser um livro e inaugurei uma exposição no Museu Reina Sofía. Depois fiz essa exposição em vários sítios, entre outros na galeria de Madrid da minha amiga Marisa Oropesa [comissária da exposição da Casa de Santa Maria]. A Marisa é casada com um pintor hiper-realista, Cristóbal Toral, com muito êxito em Espanha. Vivem numa casa maravilhos­a em Madrid e numa parte da casa fez a Galería Levy, sócia de um galerista alemão. Fiz essa exposição do Chillida com ela e ficámos muito amigas. A Marisa organiza muitas exposições e conhece o diretor da Fundação D. Luís I, Salvato Telles de Menezes. Um dia falou-me de Cascais e eu disse que gostava muito de vir cá. Esta casa com tanto passado faz um contraste completo com a sua obra, cria um diálogo. Um contraste completo, sim. Fiz milhares de exposições mas a primeira importante foi em 1998 ou 1999. Era muito bonita e um amigo meu da Bélgica quis levá-la a Liège. Eu queria ir lá escolher o sítio mas não pude, e então foi uma pessoa que trabalhava comigo e que também se chamava Agatha. O Museu de Arte Moderna de Liège oferecia o espaço, tal como um pequeno museu muito distinto mas muito escuro, uma casa histórica no centro de Liège. Era o Musée d’ Ansembourg, uma casa muito bonita, com as paredes forradas de couro de Córdova [couro lavrado], móveis lindíssimo­s. Ela foi ver o Museu de Arte Moderna, que era maravilhos­o, mas achou que ficava muito longe, numa espécie de ilha, e preferiu o outro, mais central. Quando me disse que lhe tinham oferecido o Museu de Arte Moderna e tinha escolhido o outro até chorei. O que estás a dizer? Mostrou-me as fotos e eu queria morrer, porque era como este, cheio de móveis escuros, enormes, muita prata. Achei que ela tinha enlouqueci­do. Fui para lá com uma grande equipa – na época antes da crise – e fizemos a exposição. Foi uma das exposições mais bonitas que fiz na vida. Tinha uns tapetes enormes, demos a volta a uma parte dos tapetes e cosíamo-los com uma seda de cor-de-rosa, cor de laranja, para que tivessem um pouco de relação com a exposição. O diálogo das minhas roupas com o palácio muito antigo, muito escuro, com muita personalid­ade, foi uma maravilha. Nessa época também não tínhamos nenhuma iluminação, tal como aqui. É como se chegasse uma senhora vestida assim, sem iluminação, sem cenografia. Quando falei no Chillida foi porque percebi que tem uma ligação às artes plásticas. Na última coleção há referência­s a Keith Haring, noutro caso a Mondrian. Não estamos a falar só de roupa, de moda, há um background que tem que ver com a arte. Para mim o mundo da arte foi sempre muito importante. Sou a louca das visitas aos museus, e por isso estou a adorar Cascais onde não sabia que existem 20 museus. Estive na Casa Paula Rego, na Casa Duarte Pinto Coelho, há muitíssimo­s museus aqui. Eu tenho uma necessidad­e física de ir a museus. Por vezes numa semana vejo dez museus, faz parte da minha vida. Agatha Ruiz de la Prada veste-se sempre com as suas criações, que gosta de designar como “roupa feliz”. Defende o vestuário confortáve­l, sem saltos altos a complicar a vontade de correr de um lado para o outro. Ou então os vestidos happening Mas vejo-os muito depressa, quem vai comigo sofre porque entro e caminho rapidament­e. É uma questão de emoções. Por isso também acho que esta exposição é muito divertida para o verão, porque se pode vê-la em cinco minutos. E creio que o mais importante é o diálogo com uma casa com esta força, com tantos azulejos tão bonitos, e depois imaginar uma mulher bonita que viesse aqui convidada para almoçar, a passear-se com as minhas peças. Como entrou no mundo da moda? Desde pequena queria ser pintora. O meu pai [Juan Manuel Ruiz de la Prada y Sanchiz] era um arquiteto muito famoso e tinha a melhor coleção de arte contemporâ­nea de Espanha, quando eu era muito pequena. Eu passava a vida a ir a galerias, a ateliês. Para mim o mundo visual é como uma linguagem. O meu pai ensinou-me desde cedo a entender que o mundo da arte é muito importante, que é mágico. O que para uma criança representa ir à Disneylând­ia para mim era ir a uma galeria. Sempre respeitei muitíssimo os artistas, sobretudo os bons artistas. Porque há uma coisa muito boa que são os grandes artistas e uma coisa muito má que são os maus artistas. É horrível. É um castigo? Um castigo para todos, para eles, para as suas famílias, para quem vê, um horror. O trabalho de um bom artista toca-te, tem impacto sobre ti. Vi a uma série de exposições que mudaram a minha vida, que recordarei sempre. Lembro-me de uma de Karl Andre, uma de Henry Moore no Retiro [em Madrid], lembro-me da primeira vez que vi a coleção no Reina Sofía, da primeira vez que fui a Nova Iorque e descobri a arte americana dos anos 1960 e 70, Rothko em particular, de uma exposição em Paris da escultura de Picasso.

Nessas não passou a correr? É que essas exposições ficam comigo anos a mudar-me a personalid­ade. Houve um monte de exposições assim. Uma de Sean Scully, no Retiro, também [em 1989]. Passou um ano e eu continuava completame­nte… Pelo contrário, nunca me fascinou a Eurodisney. Uma vez fui lá com o meu filho porque me convidaram mas nunca o tinha levado lá. Há muita gente que nunca foi a Paris mas foi à Eurodisney, mas para mim é infinitame­nte mais importante para uma criança ir a Paris do que à Eurodisney. Pensava que ia ser pintora? Achava que ia ser pintora e estava sempre a desenhar. Quando fiz 16 anos dei-me conta de que ou és o número um, e eu soube sempre que não era, porque se és o número cinco é uma merda. O mundo da arte é muito cruel, como o da música, por exemplo. E percebi que no mundo da moda em Espanha havia uma oportunida­de de fazer muitas coisas. Digo sempre que não sou artista. Se és um artista tens de ser o melhor. Gosto muito do design de moda porque é um trabalho de equipa. Um bom pintor tem de estar sozinho e no mundo da solidão há muita depressão, muito sofrimento. Pelo contrário, no meu estúdio eu chego e está toda a gente a falar alto, é divertido, há sempre coisas para fazer, para ver, para assinar. Agrada-me essa espécie de frivolidad­e. Cheguei aqui ontem e não tive um minuto em que me aborrecess­e. Ser pintor, depois de Picasso… Picasso matou todos os pintores porque depois de Picasso o que raio é que fazes? É muito difícil. Só mesmo o Andy Warhol, o Keith Haring, o Jeff Koons, uns loucos. Começou cedo na moda? Tinha 20 anos quando fiz o meu primeiro desfile e ao fim de três ou quatro meses toda a Espanha me conhecia. Fui quatro vezes à televisão, fiz três tontices – é isso que se deve fazer – e toda a gente me conhecia. Ia à rua e apontavam-me – olha a Agatha Ruiz de la Prada… Era o tempo da movida madrilena, uma época diferente, não sei se pela idade que eu tinha. Vivia em casa da minha mãe e não precisava do dinheiro. Tinha casa, comida, e portanto nunca pensava em dinheiro, nunca. Na verdade, nessa época só pensávamos em ser famosos. Eram os anos 1980. Exatamente. E creio que as pessoas que eu conhecia também nunca falavam de dinheiro. Não pensou que isto podia acontecer? Que este trabalho que a princípio era um divertimen­to assumisse esta dimensão empresaria­l? Nunca relacionei o meu trabalho com o dinheiro. Trabalhava muito, investia o meu dinheiro e fiz uma coisa muito boa, do meu ponto de vista. Pelo menos quis fazer uma coisa muito boa. Achava que pensar em dinheiro era uma estupidez e o dinheiro veio. Ou seja, eu nunca relaciono o dinheiro com o trabalho. Em Inglaterra as pessoas cobram à hora e até às meias horas. E eu que sou lentíssima… Ontem cheguei a Cascais e disseram-me “vamos ver a exposição” e eu preferi ir comer. Depois vim porque queria ver o diálogo, como tu disseste, queria ver como as roupas se relacionav­am com a casa, mas não peça por peça, até porque estava cansadíssi­ma. Quem escolheu a disposição das peças, a montagem da exposição? Foram elas que escolheram e eu disse qualquer coisa. Eu queria ver como as peças se defendiam, pobres, sem luz, sem manequins, sem nada. Queria ter a sensação do que é Cascais com isto. Enfim, coisas minhas. E isso leva muito tempo, não é imediato. Então se te cobram à hora… se eu estou sempre a trabalhar e não me dá tempo para nada… Em Espanha cobras um salário mensal, e creio que em Portugal também é assim. Um dia corre melhor, outro dia corre pior, há dias em que tens muitas ideias, noutros não te ocorre nada. Depende de não sei o quê… Há dias em que começo uma peça e acabo, que bonito, e outros dias que terminam e não fiz nada. Se te cobram à hora… é impossível. Eu não sei quantas horas vou demorar a desenhar. Este trabalho cruza o lado criativo com o lado de mexer na matéria, saber como funcionam os tecidos, como se adaptam, como se cose. Entrou bem nesse lado industrial? Não entrei muito, embora me interesse, e aí a diferença essencial é: ou está bem feito ou está mal feito. Isso é importante mas cada dia é menos. Quando comecei a trabalhar, no início de tudo, não tinha a menor ideia, e fui ter com o melhor fabricante de tecidos do mundo, um italiano chamado Antonio Ratti. Eu comprava os tecidos mais caros do mundo. Faziam-me um preço especial porque sabiam que eu tinha 21 anos, trataram-me muito bem. Hoje não posso sequer imaginar esses tecidos, porque tudo mudou tanto… Nunca fui cara, mas agora as minhas roupas são muito mais baratas do que quando comecei há 35 anos. Claro, naquela altura não existia a Zara. O fenómeno Zara começou por essa altura, no início dos anos 1980. Naquela altura uma roupa era uma coisa importante, e agora um vestido custa-te cinco ou dez euros. Lembro-me de uma vez estar em Londres sozinha. Sempre me pareceu, a mim como espanhola e certamente deve ser o mesmo para um português, que o metro de Londres era muito caro. Um bilhete custa 4,5 libras, muito mais do que um táxi em Madrid. Se vais fazer 50 estações de metro, tudo bem, mas para duas estações, é muitíssimo… Um dia entrei na Primark, que não conhecia, só tinha ouvido falar. Havia um vestido de algodão que era bastante bonito, um vestido que podes comprar e ter no armário 30 anos, e custava duas ou três libras. Custava metade de

Comecei nos anos 1980

e nunca pensava em dinheiro, vivia na casa

da minha mãe

um bilhete de metro. Estamos loucos! Um vestido 100% algodão a valer metade de uma porcaria de um bilhete de metro para andar duas estações… Como foi a adaptação a essas novas condições? Não é uma adaptação minha, é uma adaptação de todo o mundo da moda. É o grande problema que o mundo da moda tem neste momento. Se existe uma grande tendência no mundo da moda é a tendência para o conforto. As pessoas querem estar confortáve­is, precisam de andar. Vou muitas vezes à América Latina e lá existe um problema: as mulheres andam com saltos muito altos. Metem-se nos carros, por causa da inseguranç­a, por causa do calor e também pela falta de hábito de andar. Uma mulher normal gosta de andar e ver e ir, correr para cima e para baixo. Para isso tem de estar confortáve­l. Cada vez mais as mulheres querem isso? Claro. Um vestido de alta-costura que vale 600 mil euros, coño, por esse preço posso comprar um andar em vez de um vestido. E se um empregado por azar te entorna um café por cima, ficas com vontade de matar o homem porque te lixou 600 mil euros. Quem pode passar a ferro esse vestido? Ninguém. Ou então estragam-te o vestido todo. Isso já não faz sentido. Antigament­e nas casas boas havia um quarto só para passar a ferro, havia pessoas que sabiam fazê-lo. Hoje isso acabou. Tudo isso está a mudar o mundo da moda. Em Espanha, como em Portugal, o papel da mulher mudou muitíssimo nestes últimos 50 anos. Isso influencio­u a moda? A Espanha ultimament­e fez muitíssimo pela igualdade, é um país que nessa matéria mudou muitíssimo. Conheço muitas mulheres muito importante­s que querem fazer o seu trabalho e também querem cuidar da sua família, ir a uma exposição ou ler um livro, ver um filme ou ir a algum lado. Para fazer tudo isso, ou se está fisicament­e muito bem preparada ou não se consegue. Em Espanha temos uma mulher muito famosa que já estás a ver quem é, nem quero dizer o nome porque é horrorosa, e sai assim com uns saltos, quando não a vês ao fim de um mês reparas que andou a pôr coisas na cara. Não pode ser. Isso não é uma vida prática nem divertida nem bonita. Não vale a pena. O seu trabalho é sempre alegre, a alegria faz parte da marca. Por exemplo, aquele vestido que tem uma gaiola com pássaros é uma brincadeir­a. A primeira vez que apresentei esse vestido foi em Paris e os pássaros eram verdadeiro­s. Duas horas antes de o desfile começar no Museu do Louvre, com um teto 20 vezes mais alto do que este, os pássaros voaram, escaparam-se. Meu Deus, e agora o que vamos fazer? Havia um da equipa a quem chamávamos Paco El Inventor, totalmente hippie, e conseguiu encontrá-los e meteu-os outra vez no vestido. Foi muito divertido. Mas o importante é que a vida das mulheres mudou. Apetece-me ir a Lisboa andar de elétrico, e se ponho uns saltos altíssimos ou uso uma camisa de seda… Tem também roupas para crianças e para casa. As cores, os corações, tudo isso são marcas suas. Sente-se que há um prazer nesta criação. Eu posso fazer de tudo, uma chaminé, uma porta blindada, uma máquina de lavar, seja o que for. Mas serei sempre uma desenhador­a de roupa de mulher. Quando comecei com as crianças, a princípio não queria. Mas aconteceu uma coisa: vi meninas a chorar porque queriam ter um vestido meu… e infelizmen­te nunca vi uma senhora a chorar por um vestido meu. As meninas são muito mais simpáticas, muito mais agradecida­s e muito melhores do que as mulheres. As mulheres têm muitos complexos e os vestidos metem-lhes medo. Pouca gente teria coragem para usar um vestido como este dos pássaros. Imagina que vais a uma festa que até pode ser uma chatice. Mas se vais com os teus passaritos, isso torna-se uma bomba: os passarinho­s picam-te, não te picam, fazem isto ou aquilo, se estão contentes, se gostam da festa. A cara das pessoas quando te veem com aquilo! Tudo isso é uma experiênci­a impression­ante. Há uma aspeto na moda que tem sido muito criticado, a magreza das modelos. O que pensa disso? Hoje quando uma mulher é demasiado magra sentimos rejeição.Vejo desfiles de moda em todo o mundo e o que está a dar são as Kardashian­s. E vês raparigas de 16 anos que fazem implantes. Atualmente, a tendência é o contrário, e isso é inacreditá­vel porque há poucos anos esse volume era o horror. Não gosto muito das Kardashian­s mas foram positivas no sentido em que levaram muitas mulheres a sentir que coisas que eram vistas como um defeito agora sejam uma coisa atraente. Voltando à magreza e à anorexia, não devia haver uma regra? Sim, e nisso a Espanha foi pioneira, foi a primeira a determinar que se uma modelo está demasiado magra não pode desfilar. Pesavam-nas e tudo. Hoje há uma ideia generaliza­da, entre os desenhador­es, de rejeição das anoréticas. 1. O contraste das criações da estilista espanhola com o interior da casa desenhada por Raul Lino, à qual o irmão mais velho do arquiteto juntou azulejos do século XVII. 2. O famoso vestido com gaiola que, no original, guardava passarinho­s. No primeiro desfile, no Louvre, as aves escaparam-se 3. Agatha Ruiz de la Prada ao lado de um dos vestidos de noiva que desenhou. Há um outro todo coberto de flores artificiai­s, que pode ter uma versão com flores naturais mas... morre no dia seguinte 4. Dois vestidos com bolas de decorações de Natal

Hoje quando uma mulher é demasiado magra sentimos rejeição

A Agatha também? Eu também. Quando estive grávida do meu primeiro filho, engordei 24 quilos. Sempre gostei de roupas largas, não gosto de roupas apertadas. A Michelle Obama esteve em Espanha. Jantei com ela e é uma mulher extraordin­ária, com uma força, com uma personalid­ade. Uma mulher que mudou a história dos negros. O Martin Luther King e ela e o seu marido. Impression­ou-me muitíssimo, o poder dela. No dia seguinte, vês a rainha às nove e meia da manhã com uma roupa toda apertada. Em primeiro lugar, quando estás naquele papel, tens de ter em conta que horas são. São nove e meia da manhã, que diabo! Vais estar com uma mulher que é uma personalid­ade mundial e tu sabes que não veste um 34. Por uma questão de educação, colocas-te um pouco ao seu nível. Vestes uma coisa larga e divertida… não vais toda apertadinh­a. O que vale é que ela quer lá saber, tem a sua personalid­ade e cabeça para isso. Mas creio que a rainha está muito mal assessorad­a. Conversou com a Michelle Obama? Não, fiquei com um tal ataque de admiração por ela que não fui capaz de conversar. Foi como se tivesse visto o Papa. É republican­a, como é que se vê numa monarquia? Os meus avós eram muito monárquico­s. Vinham todos os anos dois meses para o Estoril, como secretário­s de D. Juan. Falavam imenso do Estoril. Eu vim cá muito poucas vezes, mas toda a vida ouvi falar do Estoril. Ele era tão simpático, extraordin­ário, e o filho dele, D. Juan Carlos, também. E o filho, Felipe? Andámos no mesmo colégio. A minha mãe levava-me de carro e chegávamos sempre tarde, sempre. E ele também chegava tarde, mas creio que por uma questão de segurança – a minha mãe era porque não se levantava. O príncipe era lindo quando era pequeno. Mas passaram-se tantas coisas. O que me agradou na Michelle Obama é que ela está-se nas tintas, a ela o que lhe interessa é o que está a fazer pelo seu país, pela sua família, pelo seu marido, o que estão a tentar fazer pelo planeta, pela saúde. Vê além de. E parece ter uma relação muito positiva com o corpo, está muito à vontade. Claro, porque ela sabe o que fez na vida, é isso que vale a pena. E quando a vês de perto é ainda mais bonita do que imaginas. Tem uma boa pele, é muito… é uma mulher extraordin­ária. Penso que o que é importante é o exemplo que se dá. É como a rainha da Holanda, que engordou – na verdade, as fotografia­s engordam muito – mas o que é maravilhos­o nela é a maneira como se ri, um dia vês a rainha a nadar, está sempre à vontade, não tem complexos. Ela sabe que o que importa não é estar bonita, ela não é uma modelo. A sua roupa é assim, tem essa relação com o corpo, uma relação de estar bem consigo mesma. É uma relação… é um diálogo. Se chegas com uma roupa minha a uma festa no palácio real vestida de coração, é uma espécie de happening. Pode haver um imbecil que diga que está mais ou menos cheio por dentro mas o importante é: olha, há um coração a andar aqui pelo meio. O importante é uma relação mais artística. Há dois tipos de roupa de que gosto. Um é a roupa superconfo­rtável, para que o teu dia seja o mais positivo possível, e com cores. E o outro são estes happenings. Imagina que te convidam para um sítio normal e vais com os passarinho­s vivos. Toda a gente vai dizer que estás louca, um vestido com pássaros, vão picar-me, vão fazer caca nos meus ombros. Esse vestido provoca… …uma reação, ninguém fica indiferent­e… …claro, e essa reação é que é importante. Imagina um casamento. Imagina uma noiva rica com o meu vestido de noiva com flores naturais. Em poucos dias o vestido fica morto. Eu gosto desse gesto que podes fazer com as tuas roupas. Quando comecei, havia uma grande relação entre o mundo da moda e o mundo da arte, e ainda há. Vais ao ARCO e vês vestidos, fotografia­s de vestidos, escultura de roupas, cada dia há mais coisas relacionad­as com roupa. A moda tornou-se uma linguagem e os grandes museus do mundo, por exemplo no Metropolit­an [Museum of Art, Nova Iorque], há sempre exposições de moda. A exposição mais visitada da história do Metropolit­an foi a de Alexander McQueen. Podemos dizer que é uma vergonha… se calhar esteve lá uma exposição de Velázquez ou de Goya e as pessoas não foram ver, e com o Alexander McQueen toda a gente foi. Começou a fazer moda porque lhe apeteceu, mas depois tornou-se a sua vida. Sempre fui assim. O meu pai adorava trabalhar, trabalhava muitíssimo, e a minha mãe não trabalhava nada. Eu vi que trabalhar era muito melhor do que não trabalhar, porque se não trabalhas tens uma dorzinha aqui e dizes ai dói-me, começas a queixar-te…E se estás a trabalhar, se estás interessad­a, és muito mais feliz. Nota-se que tem imensa curiosidad­e. Adoro conhecer coisas novas, como a Casa Paula Rego, este museu, ou a casa onde vive uma grande amiga. É muito divertido. É casada com o jornalista Pedro J. Ramírez e têm dois filhos. Não sou, estamos juntos há 30 anos sem sermos casados. As gravatas dele são muito exuberante­s. São desenhadas por si? Sim, 99,9% das vezes. Quando o conheci, ele estava muito mal vestido, essa é a verdade. Pensei: como é que se pode andar tão mal vestido? E íamos juntos comprar roupa. Os homens são muito melhores do que as mulheres. Ele vai a uma loja de camisas que se chama Turnbull & Asser, em Londres, e compra lá todas as camisas. Todos os anos vai lá duas vezes. Muito poucas mulheres são fiéis a uma marca. São muito inseguras. Um homem gosta de uma coisa e já está, não muda mais. Então eu creio que fiz uma boa transforma­ção, ele vestiu-se de jornalista e veste-se sempre assim. Usa gravata aos domingos no campo, sempre, menos no verão. Começou a desenhar gravatas por causa dele? Não, a primeira vez que fiz gravatas foi para serem vendidas nos aviões de Iberia. Aquilo resultou muito bem e faço-as há muitos anos. Gosto muito de fazer coisas para homem, porque o homem é mais generoso do que a mulher e mais fiel. Mas a indústria é muito difícil. Como é possível renovar todos os anos? Todos os anos há duas coleções. O que é preciso para manter a criativida­de? Há uma coisa que me encanta. Normalment­e quando faço um desfile ocorre-me a ideia do próximo. Não sei porquê mas garanto que é assim. No primeiro dia do desfile, um desenhador tem a adrenalina no máximo, está tudo a acontecer ao mesmo tempo, há jornalista­s, vêm os amigos, o público, os compradore­s, as modelos, as fotos, tudo. A adrenalina dispara. E nesse momento sinto: estou a fazer isto mas quero fazer aquilo. É um momento de muita criativida­de. É por isso que nunca festejo o meu aniversári­o. Odeio o meu aniversári­o. Uma pessoa normal pensa: o meu aniversári­o é a minha festa. Mas as minhas festas são os meus desfiles. É o momento em que vêm os meus amigos ver tudo e isso é tão emocionant­e. Os seus dois filhos, Tristán e Cósima, trabalham consigo. Sim, estou muito feliz com isso, é genial. Foram eles que quiseram? Porque eles estudaram outras coisas, ele formou-se em História e é um grande viajante, ela tem um MBA em Gestão feito na Universida­de de Brown, nos Estados Unidos. Muitas pessoas criticam, dizem Cósima, tu que és tão inteligent­e, como vais trabalhar com a tua mãe? Como se eu fosse uma atrasada mental profunda. As pessoas são más. E eu já lhe disse que responda: é que a minha mãe ofereceu-me o estúdio. É um negócio que funciona e que é muito divertido. E eu ofereci-o aos meus filhos. E isso causa muita raiva às pessoas que perguntam – és tão inteligent­e, então não vais ser jornalista? E ela pode responder: é que o jornal do meu pai não é meu, aliás mandaram-no embora. E o estúdio é deles. Se Cósima fosse médica e gostasse muito da medicina, eu não ia querer que trabalhass­e comigo porque era essa a sua paixão. Mas se não tens uma paixão e tens uma coisa que é tua… Mas continua a ser a Agatha a desenhar? Sim, embora ela esteja a começar a desenhar e bem. Descobri um dia destes. Ela não sabia desenhar, embora desenhasse muito bem quando era pequena. Mas no outro dia fez uns desenhos muito bonitos. E tem muitas ideias. Ela atreve-se a vestir todas as minhas roupas. Quando era pequena houve uma fase em que quando se zangava comigo dizia: nem penses, nem sonhes que alguma vez vou vestir roupa tua, nunca na vida! Ela ia aos desfiles e estava com o pai, no meio dos jornalista­s, e dizia: quando for grande vou fazer roupa anti-Agatha, quando a minha mãe morrer vou fazer tudo negro. E os jornalista­s adoravam, apareceu em todas as televisões a dizer isso. É muito teatral, gosta muito de chamar a atenção. Mas agora está a ajudar-me. Embora o meu filho esteja a ajudar-me mil vezes mais do que ela. Porque tem a parte administra­tiva – é diretor-geral? Porque ele já tinha trabalhado, trabalhou sete anos noutro sítio [na Inditex/Zara]. É muito melhor. Para a Cósima, é o primeiro emprego, é preciso ter muita paciência. A sua vida é uma vida feliz? Creio que sim, que é superfeliz. Se gostas do trabalho que fazes e trabalhas tantas horas, és feliz. Quando faço um desfile,

ocorre-me a ideia do próximo: estou a fazer isto

mas quero fazer aquilo A moda tornou-se uma linguagem e os grandes museus do mundo fazem

exposições com ela Ofereci o meu estúdio aos meus filhos. Estou muito feliz por ter os dois

a trabalhar comigo

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