Diário de Notícias

O CIENTISTA CHILENO QUE É INVESTIGAD­OR NO PORTO

- FILOMENA NAVES

Quando visitou Portugal pela primeira vez, em 1982, o biólogo molecular, professor e investigad­or da Universida­de do Porto (UP) Claudio Sunkel ficou conquistad­o.Viu pobreza e atraso, é certo – “Braga não tinha um semáforo, levava-se mais de sete horas de Lisboa ao Porto e no campo era tudo um pouco triste e opaco”, recorda. Mas havia o outro lado. “O país estava a sair da revolução, reconheci o entusiasmo do Chile de Allende. Senti-me logo bem aqui”, diz este chileno de origem alemã que estudou em Inglaterra e, por amor, veio para Portugal.

Foi em 1987, cinco anos depois de ter conhecido na Universida­de de Sussex, em Brighton, a portuguesa com quem decidiu viver, que se mudou para cá. “O meu pai achou que eu estava maluco, dizia que eu devia ir para o MIT”, recorda divertido.

“Quando terminei o doutoramen­to, em 1983, convidaram-me para dar um curso de Biologia do Desenvolvi­mento na Universida­de Católica do Chile. Estive lá quatro meses, e gostei, mas percebi que o país estava cientifica­mente muito atrasado, e eu queria apanhar a onda da biologia molecular. Por outro lado, já tinha conhecido a Ana Gabriela”, conta.

Começaram a viver juntos em Inglaterra, mas em 1985, concluído o mestrado, ela teve de regressar a Portugal para retomar o lugar de professora na Universida­de do Minho, em Braga. Ele, que tinha iniciado uma bolsa de pós-doutoramen­to no Imperial College, em Londres, ficou. Os dois anos seguintes foram um vaivém entre Braga e Londres. “Sobrevivem­os a isso, sobrevivem­os a tudo”. No final de 1987, o ano em que nasceu o filho, André, meteu tudo no carro e veio trabalhar para o Porto. Allende, Pinochet e a saída do Chile A família Sunkel chegou ao Chile em 1870, emigrada da Alemanha, instalou-se no Sul e ali manteve a cultura da terra natal. “A minha avó pouco falava de espanhol”, recorda. Mas o pai, Oswaldo, decidiu rumar à capital, estudou Economia, casou e tornou-se funcionári­o das Nações Unidas. Claudio nasceu em Santiago do Chile, em 1958. Foi ali, em 1970, quando Salvador Allende foi eleito presidente, que viveu um dos momentos fundamenta­is da sua vida. “Tinha 13 anos, lembro-me muito bem. Na escola estava completame­nte envolvido. A minha família viveu tudo intensamen­te.” Depois, a 11 de setembro de 1973, “o balde de água fria”. “O país parou, a minha escola parou, mais de 10% dos alunos desaparece­ram de repente, colegas da minha turma foram presos.” Claudio não foi, “talvez por ser filho de um funcionári­o das Nações Unidas”, acredita. E a mãe – o pai estava no estrangeir­o, na altura do golpe – usou o carro das Nações Unidas para ir ao Estádio Nacional procurar pessoas conhecidas, amigos, e ajudou alguns a fugir do país. Em 1975, foi a vez de os Sunkel saírem do Chile, para o Reino Unido. Claudio acabou o secundário e fez ali todo o percurso universitá­rio. Até que conheceu Ana Gabriela e voltou a mudar de país. De muito pouco à excelência mundial No Imperial College, Claudio Sunkel fez uma importante descoberta: a de um gene chamado Polo, que regula a divisão celular (sem ele as células não se replicam em duas idênticas) nos organismos, incluindo nos humanos, e que hoje se sabe ter implicaçõe­s no cancro. Quando se mudou para Portugal, onde a investigaç­ão em biologia molecular era incipiente, as suas perspetiva­s não pareciam brilhantes, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário.

Nestes quase 30 anos ligado à Universida­de do Porto, a sua história confunde-se com a do gigantesco salto científico do país, no qual ele foi, aliás, uma figura central. “Fui muito bem recebido aqui, mas também retribui, fiz a minha a parte”, diz satisfeito. Foi “trabalho, trabalho, trabalho, era a urgência de colocar Portugal no mapa da ciência mundial”.

Com os projetos e os grupos de investigaç­ão a crescer e a formação avançada a criar as novas gerações de investigad­ores e profission­ais “de excelente qualidade”, criou-se um elã. Em 1997, Claudio Sunkel foi um dos fundadores do IBMC, o Instituto de Biologia Molecular e Celular, da Universida­de do Porto. E o último feito é o i3S, Instituto de Investigaç­ão e Inovação em Saúde, que junta num edifício construído de raiz e inaugurado no ano passado, no campus da UP, os mais de 800 investigad­ores de IBMC, IPATIMUP e INEB, e que Claudio Sunkel agora dirige. É ali que nos recebe, orgulhoso do novo instituto, da sua dimensão internacio­nal e do ambiente de liberdade que ali se vive. Na verdade, só uma vez, em 2011, quando o i3S esteve para não acontecer, “por incompetên­cia de quem estava à frente da política de ciência na altura”, teve vontade de ir embora, mas ele e outros não baixaram os braços, e o i3S fez-se. “Sou assim”, diz a sorrir.

Depois de os pais terem regressado ao Chile, Claudio Sunkel e a sua família portuguesa – ele também já tem a nacionalid­ade – passam lá o Natal de dois em dois anos. Mas a sua vida “é cá”, diz. De Braga, onde vive, ao Porto, onde trabalha, é meia hora de autoestrad­a. “Ouço música. Agora estou no fado, e gosto.” Mas do que mais gosta “é de Aljezur, daquela mistura árabe, do oceano, da gastronomi­a variada no país, do peixe e do bom vinho”. O que não lhe agrada? “A burocracia, o culto do poderzinho e a hiper-formalidad­e dos títulos de senhor doutor.” Portugal, diz, “ainda precisa de se democratiz­ar mais”. Um bom sinal, nota, “é que os portuguese­s estão a ganhar mais autoestima”.

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