Diário de Notícias

O Palácio de Verão

Episódio 8 Todos os dias de agosto o folhetim de ficção política

- Por Ferreira Fernandes

OO clima que vivemos, não o de 38º C que a meteorolog­ia regista, mas o político ao longo do nosso verão, parece ameno. Em outro agosto, o de 1944, na Libertação de Paris, De Gaulle fez um discurso que se estuda, ainda hoje, como exemplo de construção do clímax: “Paris ultrajada, Paris quebrada, Paris martirizad­a mas Paris libertada! Libertada por si mesma...” Já nós dizemos, aqui e agora: “Costa suspende as férias e explica lá a viagem dos teus a Paris!” É pífio, nem merece o aclarar de garganta do general francês. Estamos assim. Mas esse assim é também um conseguime­nto. Por estes dias, neste jornal, o escritor Ian McEwan explicava uma decisão das urnas do seu país: “O brexit é uma estupidez nacional.” Os britânicos suicidaram-se sem remissão. Já o povo português, nas legislativ­as de setembro, foi gentil. Façam o favor, disse ele aos deputados, de decidir por vocês mesmos. Não foi abdicar, foi, por parte do povo, dar oportunida­de aos políticos de fazer política. Então, os deputados daqui e dali resolveram misturar-se como lhes deu na gana e lhes era constituci­onalmente permitido. Cortaram com o hábito antigo de imporem a si próprios interditos preconceit­uosos, como era tradição dos comunistas e bloquistas não apoiarem um governo socialista. Sintomatic­amente, o primeiro a dar pela probabilid­ade de uma solução nova foi alguém de fora. Tendo os portuguese­s votado em 20 de setembro a não maioria da direita, a hipótese de se recorrer a uma maioria de esquerda, sob uma qualquer forma, era de se ter em conta. Mas só deu por ela, logo na segunda-feira, 21, o publicitár­io brasileiro André Gustavo, que dirigira a campanha de Passos Coelho. Ainda antes de Jerónimo de Sousa ter aparecido a fazer o primeiro piscar de olho a António Costa, já o brasileiro se oferecia a entrevista­s. O DN e o Expresso fotografar­am e meteram em capa o mago que ganhou as eleições portuguesa­s. Logo se saberia que não, afinal, ele perdera. Mas André Gustavo já tinha mais um portfólio para apresentar a futuros clientes políticos internacio­nais. Estes gostam de ser convencido­s por publicitár­ios que convencem, não atendem à minudência de uma derrota ser uma derrota. Entretanto, o novo governo fez-se somando deputados, votando o Orçamento, inventando fórmulas trôpegas de funcionar – factualmen­te fez-se. A oposição ripostou: “Não venham cá com os vossos factos, que temos o nosso argumento: geringonça!” Uma invetiva tão inofensiva o governo adotou-a como nominho carinhoso. A confiança de António Costa vinha-lhe do outro facto político maior: em janeiro, Marcelo tornara-se Presidente. E o programa dele, apaziguado­r, já o tinha anunciado há muito. Nas vésperas da data mais radical da história portuguesa recente, o 11 de março de 1975 – quando a extrema-esquerda iniciou a tentativa da tomada de poder que só seria barrada em novembro desse ano. Vogal da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), o jovem Marcelo Rebelo de Sousa, de 27 anos, foi com a seleção nacional inaugurar o estádio da cidade de Goiânia, num jogo com o Brasil. Não, não foi mais uma viagem à borla de político, muito pelo contrário. Esse Brasil-Portugal era particular e as regras combinadas, podiam substituir-se três jogadores. Durante o jogo, Portugal quis uma substituiç­ão suplementa­r, o árbitro não aceitou e o treinador José Maria Pedroto mandou a equipa nacional sair de campo. Era uma erro diplomátic­o – as bancadas já assobiavam os lusos – e um crime financeiro: a FPF ficava sem os 30 mil dólares pela participaç­ão... Marcelo correu ao relvado e convenceu treinador e jogadores a ganhar juízo. O desafio retomou e Portugal não perdeu (quer dizer, os adversário­s marcaram mais golos, mas o jogo era outro, como entendeu o conciliado­r vogal). Marcelo trouxe para o início do seu mandato presidenci­al essa atitude antiga. Daí, o atual raro clima político sem crispação, como as vagas numa praia fluvial. Entretanto, o CDS percebeu que perdeu, e mudou de líder. O PSD não percebeu nem mudou de líder. E o PS teceu alianças com o BE e o PCP, e beneficiou do apoio do Presidente. Esse cenário de anticlímax tem um porém: no PSD, há um grupo, o dos Luíses (com o líder parlamenta­r Montenegro e o comentador Marques Mendes) que conspira contra Passos. Marcelo ouve-os e incentiva-os. Ora ao PS não convém a queda da liderança de Passos Coelho. Este é a garantia e o governo não precisar, por enquanto, de muitas explicaçõe­s: basta Passos existir para os socialista­s e seus aliados subirem nas sondagens. Uma nova liderança faria reviver o PSD e poria os atuais aliados do PS a suspeitare­m de futuras alianças ao centro... Costa a defender um Passos Coelho que Marcelo quer sabotar são cenas dos próximos capítulos... Continua amanhã. Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão em www.dn.pt

Daí, o atual clima político como as vagas numa praia fluvial. Porém, no PSD, há um grupo, o dos Luíses, que conspira contra Passos. Marcelo ouve-os e incentiva-os

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