Da rejeição de 1946 ao pacote negociado de 1955
BRUNO CARDOSO REIS
Portugal não fez parte dos 51 membros fundadores da ONU. Uma organização que tem origem precisamente nas Nações Unidas, a designação oficial dos Aliados que combateram o Eixo Berlim-Roma-Tóquio na Segunda Guerra Mundial, e que, em 1945, incluía várias dezenas de países. Portugal não fazia parte desse número por ter mantido o seu estatuto de neutralidade durante todo o conflito mundial, portanto não fez parte automaticamente dos países envolvidos nas negociações preparatórias que levaram à criação da ONU em outubro de 1945. Mas não foi por falta de esforços da diplomacia portuguesa. Ao contrário do que se poderia pensar, tendo em conta as décadas seguintes, Salazar não se mostrou inicialmente hostil à ONU. Pelo contrário, no seu primeiro discurso após a vitória aliada na Europa, em agosto de 1945, Salazar deu mesmo um sinal de interesse em vir a participar na organização então em discussão. No discurso, Salazar deixou claro que não só não via razão para Portugal ficar de fora, como membro de pleno direito da sociedade dos Estados, como a existência do Conselho de Segurança, que já se anunciava, lhe parecia uma saudável afirmação do princípio da ordem hierárquica tão querida ao seu regime. Ironicamente, seria precisamente do Conselho de Segurança que viria a dificuldade à entrada de Portugal, por via do veto de Moscovo, que se manteve até 1955. Porém, mesmo depois de um estudo mais aprofundado da questão pela diplomacia portuguesa ter apontado precisamente para essa dificuldade, Salazar não desistiu de tentar a adesão de Portugal. E terá mesmo apoiado a sugestão da diplomacia brasileira de que a sede da ONU não fosse nos EUA, como veio a ser, mas em Lisboa. Embora, diga-se, essa hipótese nunca teve reais condições, diplomáticas ou financeiras, para avançar. Mas a conferência dos vencedores da Segunda Guerra, em Potsdam, no verão de 1945, parecia realmente ter aberto a porta à entrada de países neutros, com exceção da Espanha de Franco, considerada demasiado próxima do Eixo. A diplomacia portuguesa ainda tentou a entrada automática na ONU, em conjunto com outros países neutros membros da Sociedade das Nações – Suécia, Irlanda e Suíça – aquando da extinção desta última em 1946, quando já surgiam sinais importantes da Guerra Fria entre a URSS e os EUA. Mas a URSS não cedeu e os outros neutros perceberam ser melhor seguirem o seu próprio caminho.
O Portugal de Salazar passou, portanto, uma década fora da ONU, mas contra a sua vontade. É verdade que, nesse período, a maioria dos membros da ONU foi mostrando uma tendência crescentemente anticolonial. Mas até à entrada de Portugal, em janeiro de 1956, as principais potências coloniais, que incluíam a França e a Grã-Bretanha, também elas com um lugar permanente e direito a veto no Conselho de Segurança, ainda não mostravam sinais de querer abandonar rapidamente as suas colónias africanas. E esta ausência de Portugal da ONU era um embaraço, quer por razões internas quer por razões externas. Podia ser apontada como um sinal de um certo isolamento internacional do regime, e reduzia o seu campo de ação diplomático. A entrada de Portugal na ONU foi aprovada, em 14 de dezembro de 1955, como parte de um pacote de 16 países acordado entre os EUA e a URSS, em que entraram Estados mais favoráveis a Moscovo, como a Roménia e a Bulgária. Não se pode dizer, no entanto, que a diplomacia portuguesa teve um grande papel nesse desfecho. Esta foi, sobretudo, uma negociação entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. Algo que é importante recordar a propósito da candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU. Ele é claramente favorito neste momento. Porém, se entre os dois votos de desencorajamento que a sua candidatura recebeu na “votação preliminar” no Conselho de Segurança da passada sexta-feira estiver algum dos cinco membros permanentes – nomeadamente e novamente Moscovo –, isso poderá ser fatal para a sua candidatura, independentemente dos seus méritos e dos esforços da diplomacia portuguesa.