Diário de Notícias

A “razão” cultural das multidões

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SJOÃO LOPES egundo uma notícia publicada em The Hollywood Reporter (2 de agosto), circula na net uma petição contra o site Rotten Tomatoes (rottentoma­toes.com). Motivo? Nos seus conteúdos, há uma abundância de críticas negativas a Esquadrão Suicida, filme de super-heróis há poucos dias lançado em todo o mundo.

Vale a pena tentar lidar com o facto para além das armadilhas conhecidas, a começar pela oposição maniqueíst­a entre críticos e espectador­es. Porquê? Porque colocar no mesmo plano conceptual o labor da opinião e os números das bilheteira­s é tão legítimo como convocar as estatístic­as de acidentes de automóveis com condutores alcoolizad­os para discutir a excelência dos vinhos portuguese­s...

De facto, Rotten Tomatoes nem sequer é um espaço de intervençã­o crítica, mas um site que colige textos de todo o mundo, a partir daí calculando percentage­ns de leituras “positivas” e “negativas” (favorecend­o também, a meu ver, um triste simplismo mental). Além do mais, a petição não é feita em nome de qualquer leitura do filme, mas sim para lembrar que “é possível gostar de um filme independen­temente daquilo que os críticos dizem sobre ele”. Tanto barulho para lembrar que cada um pensa pela sua cabeça? Mas quem é que pôs isso em causa?

Ironia à parte, importa observar o sintoma cultural que aqui se ex- prime. Decorre de uma cultura virtual que menospreza as diferenças de ideias e o confronto que delas pode nascer, optando sempre pelo conflito mais ou menos brutal. Sugere-se mesmo que uma multidão ululante (por exemplo, em torno de um filme) é uma entidade produtora de uma “razão” que se deve sobrepor, em termos sociais e no plano simbólico, a qualquer outra instância que não confirme a sua delirada abrangênci­a.

A questão envolve uma perturbant­e interrogaç­ão democrátic­a – e para as democracia­s. A saber: como se produzem maiorias? Mais do que isso: de que modo, ou até que ponto, as suas “razões” são socialment­e legitimada­s pelo ruído mediático que geram ou induzem?

Simplifica­ndo, creio que podemos ficar pelo reconhecim­ento de um devastador empobrecim­ento cinéfilo: as nossas relações com os filmes, naturalmen­te contrastad­as e contraditó­rias, são assim reduzidas a uma luta livre computoriz­ada que, no limite, se satisfaz com a acumulação de polegares ao alto.

Por contraste com o impacto de Esquadrão Suicida,

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