Diário de Notícias

Pitanguy. Morreu aos 93 o Pelé da cirurgia plástica

Principal referência mundial na sua área, o cirurgião brasileiro transformo­u a vida de milhares de famosos. E anónimos. Nunca encontrou o conceito de beleza, mas “percebia-a”

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

Como Ivo Pitanguy não era apenas um cirurgião fora de série mas também um médico de fama internacio­nal, um brasileiro destacado, uma espécie de craque do bisturi e ainda membro da Academia Brasileira de Letras, os principais jornais do seu país hesitaram: onde colocar a notícia da sua morte, aos 93 anos? Pitanguy, vítima de uma paragem cardíaca num hospital do Rio de Janeiro, era medicina, era cultura, era Brasil. Comparado ao arquiteto Oscar Niemeyer, artista e longevo como ele, acabou sendo apelidado de “Pelé do bisturi”. E a alcunha colou.

“O Brasil perdeu um dos seus mais respeitado­s cientistas e intelectua­is”, resumiu o presidente em exercício, Michel Temer. “Membro da Academia Nacional de Medicina e membro da Academia Brasileira de Letras, Pitanguy foi responsáve­l por formar gerações de profission­ais de saúde, no Brasil e no estrangeir­o, conciliand­o saber académico com responsabi­lidade social”, afirmou Fernando Pimentel, governador do estado de Minas Gerais, onde o cirurgião nasceu. “O seu amor à arte fez que esculpisse com detalhes e primazia o poder mágico do bisturi”, acrescento­u a deputada federal Benedita da Silva.

“Meu Deus! Foi uma das pessoas mais extraordin­árias que conheci!”, exclamou o escritor pop Paulo Coelho. “Ele foi um mestre, um patrono, um diplomata, sempre oportuno em tudo o que dizia, com a mesma desenvoltu­ra entre cabeças coroadas e a população carente”, disse Arnaldo Miró, presidente da Associação de Ex-Alunos do Professor Ivo Pitanguy.

Pitanguy nasceu a 5 de julho de 1923 em Belo Horizonte, filho de um cirurgião, Antonio Pitanguy, e de Maria Stäel de Campos. Deixou viúva Marilu Nascimento, com quem era casado há 61 anos, quatro filhos e cinco netos.

Começou a trajetória profission­al em Minas Gerais, seguindo depois para o Rio de Janeiro e para instituiçõ­es de ensino da Europa e dos Estados Unidos, país onde fez parte do corpo médico do Bethesda Hospital, em Cincinnati.

Já profission­al, voltou ao Brasil para trabalhar na Santa Casa do Rio, como chefe do primeiro serviço de cirurgia de mão da América do Sul, aproveitan­do os ensinament­os do seu mestre, o francês Marc Iselin, referência no atendiment­o a mutilados da Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo que passou, a partir de 1960, a ensinar cirurgia plástica, iniciando uma carreira académica que lhe valeu diversos títulos honoris causa.

No Rio de Janeiro, já neste ano, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica passou a levar o seu nome; era membro honorário da American Society of Plastic Surgery; em 1989, o Papa João Paulo II concedeu-lhe o título de Prémio Cultura da Paz; a UNESCO atribuiu-lhe o Prémio pela Divulgação Internacio­nal da Pesquisa Médica.

Publicou mais de 800 trabalhos científico­s em revistas do Brasil e de mundo, além de ser o autor de diversos livros, o que levou a Academia Brasileira de Letras (ABL) a oferecer-lhe o exclusivo estatuto de imortal da entidade.

“Picasso dizia que há dois tipos de artista: aquele que faz do Sol uma simples mancha amarela e o que de uma simples mancha amarela faz o sol, creio que o escritor é quem transforma manchas amarelas em sóis, tanto é iluminado como ilumina, tem luz própria”, disse, em discurso ao tomar posse na ABL.

Para Ivo Pitanguy, a sua profissão era tentar encontrar o equilíbrio entre corpo e espírito, entre emoção e razão. “Não consigo definir o conceito de beleza mas sempre que a encontrei percebia-a”, repetia.

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Na sexta-feira, transporto­u a tocha olímpica numa cadeira de rodas, no bairro do Rio de Janeiro onde está a sua clínica

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