Noite dantesca no centro histórico do Funchal
Foi dos piores dias de agosto. Na Madeira, as chamas desceram à capital e atingiram a Baixa. António Costa já enviou equipas especiais
Horas antes, da janela do quarto do hospital, Hilário via “chamas e muito fumo”. Embora o incêndio estivesse “bastante longe”, doentes e profissionais de saúde estavam “assustados”. O jovem de 19 anos estava longe de imaginar os momentos de aflição que se viveram, sobretudo ao fim da tarde e noite, e o “cenário dantesco” que tomou conta da Baixa do Funchal, com a situação “completamente descontrolada”.
Edifícios devolutos a arder nas ruas dos Netos, a do Surdo, Nova de São Pedro e da Carreira, no centro de São Pedro, a escassas centenas metros da marginal funchalense, onde se concentravam muitas pessoas que tinham deixado as suas casas. Pelas 21.40, responsáveis regionais davam conta de vários “prédios devolutos a arder”, sem vítimas a registar. O caos e o pânico estavam instalados, constatava no local a reportagem da Lusa.
Pelas 22.00, o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, reconheceu que se vivia “uma situação complicada”, depois de, à tarde, ter dito que a situação estava “perfeitamente controlada” e “relativamente consolidada”. Não estava. Albuquerque admitiu à noite que “a força do vento trouxe de facto uma situação complicada”, deslocando-se depois à zona histórica de São Pedro.
Durante o dia, tinha sido a aflição: casas, lares e hospitais evacuados, habitações destruídas, bombeiros feridos, estradas cortadas – antes da noite dantesca. Ao final da tarde, Hilário Pombo, 19 anos, internado no Hospital Nélio Mendonça, contou ao DN que a situação estava “tranquila” naquela unidade, mas pouco tempo antes tinha havido agitação, enquanto “tentavam arranjar camas para os doentes que foram [retirados] do Hospital dos Marmeleiros”.
A Madeira viveu ontem um dos dias mais difíceis dos últimos anos, com vários incêndios a ameaçar a ilha. O primeiro-ministro, António Costa, interrompeu ontem as férias para anunciar medidas de urgência de combate aos fogos. Com a situação dramática que se vivia na Madeira, seguiu ontem às 22.30 para a ilha uma primeira equipa especial de 36 operacionais constituída por bombeiros, Força Especial de Bombeiros, técnicos do INEM e GNR. Outras duas equipas terão seguido nas horas seguintes, num total de 110 elementos.
A decisão surgiu na sequência de uma reunião, ao final da tarde, do primeiro-ministro com a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e o comando operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil. Enquanto decorria o encontro, a situação voltava a ficar descontrolada em zonas da ilha, devido à alteração da direção e à intensidade dos ventos.
Em São Roque, onde vive a família de Hilário, desde as 05.00 que todos estavam em alerta. Aí, houve quem ficasse sem casa. “Tenho uma amiga que vive lá e perdeu a casa. Outros foram retirados a meio da noite por precaução”, contou Carolina Bettencourt, 21 anos.
Desde as 05.00 que a jovem não dormia. “Acordei com a mata a arder.” Vive em Santo António – uma das zonas mais afetadas – e passou o resto da noite em claro. “Viemos todos para a rua regar as casas.” Com “as chamas a aproximarem-se”, Carolina e os vizinhos chegaram a temer o pior. “Arrumámos as malas para o caso de termos de ser evacuados.” Andreia Pereira, 39 anos, funcionária da biblioteca pública da Madeira ( Santo António), acordou com um telefonema a informá-la que não iria trabalhar. Quando falou com o DN estava no Livramento, perto do Monte. “Há muitas ambulâncias a passar e ouvem-se muitas sirenes dos carros dos bombeiros. É muita adrenalina. Está muito vento e muito fumo”, adiantou. As estradas estavam cortadas. “Só passam os moradores.” Nos que foram retirados, permanecia a incerteza. “Tenho uma amiga em desespero, que não sabe se ficou sem casa. Quando saiu, estava rodeada pelas chamas.” Governo aciona pré-alerta O primeiro-ministro adiantou que o governo fez um pré-alerta de
acionamento dos mecanismos europeus de Proteção Civil e do acordo bilateral com a Federação Russa, “caso até ao dia 15 de agosto seja necessário acionar esses meios”.
Tanto o comandante operacional da Proteção Civil, José Manuel Moura, como António Costa, sublinharam que os próximos dias vão ser de “ventos fortes” que atravessarão zonas fustigadas por incêndios. O que, aliado às temperaturas altas previstas até dia 15, pode favorecer o cenário de “calamidades”, realçou o primeiro-ministro. Costa anunciou para breve a execução de uma reforma da floresta. “Os incêndios evitam-se reestruturando a floresta.”
Em Águeda, o incêndio que deflagrou na segunda-feira no Préstimo terá consumido três mil hectares de floresta. O vereador Jorge Almeida, coordenador da Proteção Civil Municipal, adiantou que “a situação estava mais tranquila”, com “alguns reacendimentos, mas nada muito complicado. Não constituem frentes ativas”. “Hoje parece que estamos no céu”, afirmou, destacando que “a noite foi boa conselheira”.
Já em Arouca, onde ocorreu outro dos maiores incêndios do distrito de Aveiro, a situação melhorou bastante durante o dia de ontem. Às 21.00, em Castanheira de Pera, Leiria, registava-se um dos maiores incêndios do País, que obrigou à evacuação da praia das Rocas e ameaçou algumas habitações. Já em Palmela, o fogo levou à interrupção da circulação na linha ferroviária do Sul.