Diário de Notícias

Digam não!

- SÍLVIA DE OLIVEIRA Diretora do Dinheiro Vivo

No outro dia encontrei-me, ocasionalm­ente, com o CEO de uma grande empresa e insisti, ainda que com pouca expectativ­a, no pedido de entrevista. A resposta foi, orgulhosam­ente: “Eu nunca dou entrevista­s”. Ainda rebati, porque considero importante que o presidente de uma empresa de uma certa dimensão, comunique, ele próprio, com os seus stakeholde­rs e com o público em geral. Os media são o palco habitual. Poucos minutos depois, calhou que um dos assessores desta mesma empresa me convidasse para almoçar. Um convite descomprom­etido e usual entre jornalista­s e fontes de informação. O responsáve­l pela comunicaçã­o de uma empresa é uma potencial fonte e, portanto, é importante que, pelo menos, saibam da existência um do outro. A resposta poderia ter sido outra, mas fiz questão de dizer, em frente ao tal CEO: “Nunca aceito convites para almoçar.” Acaba por ser verdade, pela falta de tempo e pela implicânci­a com o ritual demorado destes almoços, supostamen­te, de trabalho. O almoço até poderá existir, poderei ser eu a devolver o convite, mas, como disse, a resposta, naquela situação, não poderia ser outra. Porque, pensei eu, naqueles instantes talvez tenha conseguido fazer entender ao CEO que as empresas e os jornalista­s são parceiros, profission­almente falando, e que, tal como um presidente pode optar por não se expor, o jornalista também tem o direito de recusar o pouco que muitas vezes lhe querem dar. Pode ter sido apenas um acesso meu de mau feitio; muito provavelme­nte aquele CEO queria apenas dizer que, na sua opinião, a empresa pode comunicar por outras vias, dispensand­o a entrevista; mas naquele momento, como noutros, com CEO e não só, existiu a necessidad­e de afirmar que no negócio da informação existe negociação e que fontes de informação – empresas, políticos, o que for – e os jornalista­s são partes fundamenta­is desse processo. Ambas. Um não pode mesmo merecer um não e, por vezes, um simples não, seco, logo para começar, é indispensá­vel nesta relação. Uma relação que nunca deve ultrapassa­r o nível certo de intimidade, de entrevista­s e de almoços. É a excessiva intimidade que traz vulnerabil­idade, dependênci­a e fragilidad­e. Os convites e os presentes das empresas são comuns. Grandes e pequenos. Ainda coro quando penso nas luxuosas viagens que eu e outros jornalista­s fizemos a convite de um certo banco, em que o interesse jornalísti­co foi, em alguns casos, desajustad­o. Estes presentes, a cortesia e os convites da Galp aos secretário­s de Estado para assistirem, em Paris, a jogos do Euro 2016 têm um único objetivo: amaciar os sentidos, criar intimidade com os convidados, até ao ponto em que o não seja cada vez mais difícil. Não é, aliás, verdade que o importante não é sempre o que mais custa ouvir e, por isso, dizer? Um bom não, assertivo e confiante, é hoje, cada vez mais, uma ciência. Mas ainda há muitos que não pensam assim.

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