Quando Jaws inventou o conceito de blockbuster
ESTRATÉGIA Tubarão (1975), de Steven Spielberg, protagonizou uma nova estratégia de lançamento e rentabilização dos filmes
lhões, tendo faturado 36 milhões nos primeiros 11 dias nos EUA).
Ironicamente, ou talvez não, este poderá ser também o filme capaz de permitir a Blake Lively superar o seu estatuto de “quase-estrela” no atual panorama de Hollywood (poderemos reencontrá-la no magnífico Café Society, de Woody Allen, com estreia agendada para 20 de outubro). É mesmo a segunda vez em que ela arrisca “transportar” a energia dramática de todo um filme, depois de A Idade de Adaline (2015), de Lee Toland Krieger, um melodrama de componentes fantásticas que talvez merecesse mais do que a indiferença quase geral com que foi recebido.
Blake Lively começou por se distinguir no interior de alguns elencos de invulgar consistência global, em filmes como As Vidas Privadas de Pippa Lee (2009), de Rebecca Miller, A Cidade (2010), de Ben Affleck, e Selvagens (2012), de Oliver Stone. Pelo meio, surgiu num medíocre filme de super-heróis, Green Lantern (2011), contracenando com Ryan Reynolds, com quem se casou um ano mais tarde.
Agora, em confronto com um tubarão pouco dado a nuances dramáticas, demonstra uma sofisticada capacidade de sustentar uma personagem sem hipóteses de diálogo seja com quem for, a não ser uma simpática gaivota ferida que nos recorda como a natureza pode oscilar entre uma violência radical e a mais básica vulnerabilidade. Faltou uma canção de Elvis na banda sonora, mas não se pode ter tudo. Ao vermos Águas Perigosas, as memórias de Tubarão ( Jaws, no original) (1975), de Steven Spielberg, são incontornáveis. Há uma jovem incauta atacada por um tubarão e não falta sequer a boia/farol a pontuar o horizonte... Mas há também óbvias diferenças: Tubarão desenvolvia-se como um conto filosófico sobre a comunidade face à violência de uma natureza pouco maternal (desse modo reescrevendo as regras clássicas das sagas utópicas de Hollywood); por sua vez, Águas Perigosas define-se como uma variação sobre um modelo de thriller em que a solidão da personagem central constitui um decisivo elemento dramático.
Em qualquer caso, Tubarão ocupa um lugar na história do moderno cinema americano que, como é fácil compreender, Águas Perigosas não poderá ambicionar. De facto, o filme de Spielberg “inventou” o conceito de blockbuster. Não por causa do custo da sua produção, entenda-se: Tubarão teve um orçamento de 9 milhões de dólares, o que, mesmo considerando a necessária atualização para valores atuais, o definia como uma produção “normal” – Barry Lyndon, por exemplo, lançado no mesmo ano (atualmente em reposição no mercado português), custou 11 milhões. O que, a partir daí, passou a definir um blockbuster foi a estratégia do seu lançamento: uma ocupação gigantesca de salas (ou de ecrãs, como se diz na linguagem do marketing cinematográfico) e a “obrigação” de conseguir um rendimento altíssimo na primeira semana de exibição (em boa verdade, logo no fim de semana de estreia).
Encurtando uma longa história, importa dizer que o conceito de blockbuster, inflacionando os custos de produção e impondo uma agressiva ocupação dos mercados, se tornou um dos problemas fulcrais da indústria americana. Steven Soderbergh já o disse publicamente: é possível interessar um grande estúdio num projeto orçado em 100 milhões, mas ao propor um filme de apenas 10 milhões, já sabe que será olhado como um perigoso suspeito...
Neste contexto, Spielberg é um caso admirável de sobrevivência. Não porque a sua história se tenha distanciado do universo dos blockbusters. Bem pelo contrário: de Os Salteadores da Arca Perdida (1981) a As Aventuras de Tintin – O Segredo do Licorne (2011), tem assinado algumas das mais ambiciosas produções de Hollywood (e o relativo falhanço comercial do segundo título referido não altera a questão).
Acontece que, de A Lista de Schindler (1993) a Lincoln (2012), Spielberg nunca renegou a sua fundamental vocação de contador de histórias. Mesmo quando Lincoln foi considerado um projeto pouco estimulante e correu o risco de ser “reduzido” a uma minissérie televisiva. J.L.
Spielberg assina algumas das mais
ambiciosas produções de
Hollywood