Diário de Notícias

Na solidão dos mares

- JOÃO LOPES Crítico

Para Steven Spielberg, Tubarão (1975) foi um decisivo objeto de viragem, envolvendo não apenas a gestão da sua criativida­de pessoal mas também o seu poder de decisão no interior da grande máquina de Hollywood. Ainda assim, como depois veio a declarar, foi a primeira e última vez que fez um filme passado na água. Compelido a lidar com o mau funcioname­nto do tubarão mecânico (estava-se longe das proezas digitais da atualidade), enfrentand­o as dificuldad­es muito práticas de rodagem em pleno oceano, achou por bem encerrar o capítulo marinho da sua carreira. O certo é que, como o próprio Spielberg já reconheceu, a ameaça das imagens do mar em Tubarão envolve uma simbologia da solidão que, na sua história pessoal, remete para o trauma da separação dos pais (com um novo e decisivo capítulo, cinco anos mais tarde, em E.T., o Extraterre­stre). Este tipo de componente­s em filmes de grande sucesso é quase sempre descartado em nome da sua condição de objetos “comerciais”. Claro que são raros os blockbuste­rs capazes de exibir o brilhantis­mo de Tubarão (temos assistido mesmo a uma degradação de padrões induzida pela guerra comercial entre os impérios da BD, Marvel e DC Comics). Em qualquer caso, seria interessan­te voltarmos a mostrar alguma disponibil­idade para lidar com a dimensão mais espetacula­r do cinema (americano ou não) para além da rejeição, automática e preconceit­uosa, dos seus valores narrativos. É também por isso que um filme como Águas Perigosas possui um fascínio muito primitivo. As suas imagens do mar (mesmo que geradas por recursos digitais) nada têm que ver com qualquer visão “metafísica” da prática do surf pelos “famosos” – são apenas cenários depurados de um medo primordial, para o qual, com ou sem tubarões, as palavras sempre faltam.

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