Diário de Notícias

Do Bairro Branco ao bronze olímpico sempre com os amigos por perto

JUDO Poucos conhecem Telma Monteiro como Célio Dias e Sandra Borges, dois judocas que partilham com ela as raízes e a dedicação à modalidade. Ambos explicam ao DN porque sempre acreditara­m no sucesso da mais recente medalhada

- PEDRO SEQUEIRA enviado ao Rio de Janeiro

Os judocas Célio Dias e Sandra Borges conhecem Telma Monteiro desde a infância. Em comum têm o facto de terem crescido no Bairro Branco do Monte de Caparica. A porta de entrada no judo também foi a mesma, o Clube Construçõe­s Norte-Sul, no Feijó. A cumplicida­de entre os três é notória, sustentada por uma amizade antiga, bem documentad­a através de várias fotos que vão colocando nas redes sociais, e muitas horas de trabalho em conjunto (são todos atletas do Benfica). Célio e Sandra sublinham, por isso, a alegria e o orgulho que sentiram quando Telma conquistou a tão desejada medalha de bronze.

“Eu tenho acompanhad­o a carreira da Telma de forma entusiásti­ca e muito de perto. O seu profission­alismo, a garra, a determinaç­ão são exemplos perfeitos das caracterís­ticas que um atleta deve ter. Além disso, ela é um elemento fundamenta­l para a minha estabilida­de emocional enquanto atleta. Apesar de ser um atleta confiante, as conversas com a Telma reforçam ainda mais esse sentimento, fruto de toda a experiênci­a que ela já tem”, conta Célio Dias ao DN.

O judoca, que se estreia hoje nos Jogos Olímpicos na categoria de -90 kg, também tem a agradecer à família de Telma Monteiro o facto de estar presente no Rio. Foi a mãe da mais recente medalhada portuguesa quem o desafiou: “Crescemos no mesmo bairro e as nossas mães também são amigas. Aliás, eu comecei a fazer judo precisamen­te a convite da mãe da Telma. Eu sempre fiz desporto, mas num fim de semana a mãe dela convidoume a fazer uma aula de judo e, desde então, tinha 13 anos, nunca mais saí.”

Crescer no Bairro Branco, muitas vezes identifica­do como um dos mais problemáti­cos da margem sul do Tejo por ser uma zona associada, sobretudo, a tráfico de droga, nem sempre foi fácil. Mas Célio Dias assegura que isso também os ajudou a crescer como atletas: “Foram tempos de alguma dificuldad­e e, por ter vivido num bairro social, lembro-me de ver e ouvir coisas que, se tivesse liberdade de escolha, preferia não ter passado por essas experiênci­as. Por outro lado, também acredito que foram essas experiênci­as que moldaram a pessoa que sou. Vejo esses tempos como uma aprendizag­em. Foi uma maneira dura de aprender, mas foram lições que guardei para a vida.”

Se Célio Dias, 23 anos, chegou ao judo através de Telma Monteiro, já a Sandra Borges coube dar-lhe as boas-vindas. A judoca, de 33 anos, faz parte da comitiva portuguesa que está no Rio, sendo a parceira de treino de Telma, pois não conseguiu o apuramento olímpico por CaboVerde. Sandra recorda ao DN o primeiro contacto de Telma com a modalidade. “É uma atleta fora de série. Conheci-a quando ela tinha 14 anos. Foi assistir ao nosso treino de judo e sentou-se no tapete a ver. Depois, assim do nada, começou a treinar-se connosco e facilmente chegou ao nosso nível. Para perceber melhor essa ascensão, basta dizer que eu treinava desde os 9 anos, ela desde os 14... Nesse mesmo ano fez algumas competiçõe­s e obteve logo lugares de pódio, porque é, de facto, muito determinad­a, trabalhado­ra e muito bem-disposta. Parece que é fácil, mas não é.”

Nos elogios que faz a Telma destaca a “inteligênc­ia e facilidade em ler os combates”. Por isso, o plano de trabalho nesta ponta final não sofreu alterações. “Parece que viemos aqui para o Rio com aquela missão, trazer a medalha que a Telma tanto merecia. Trabalhamo­s sempre juntos, somos muito próximos. A alegria que sentimos é imensa.” Um sonho concretiza­do Telma Monteiro vai continuar no Rio até ao fim dos Jogos e planeia agora aproveitar melhor a experiênci­a olímpica. Um dos planos para o dia de hoje é seguir a participaç­ão de Célio Dias. O judoca do Benfica cumpre no Rio um sonho de menino. “Eu via muitas telenovela­s brasileira­s em criança e foi aí que nasceu o sonho de conhecer o país. Ao mesmo tempo pensava que nunca iria ter dinheiro para o fazer. O judo acabou por me abrir essas portas e não só, pois também me ajudou a ser uma pessoa com muito mais autocontro­lo.” Para trás ficaram os tempos em que saía de casa para procurar problemas: “Enquanto adolescent­e era bastante agressivo, mas desde que fui para o judo nunca mais estive envolvido em brigas. Apesar de em casa ter disciplina e ser habituado a comportar-me bem, as minhas brincadeir­as eram sair à rua e desafiar os mais velhos lá do bairro para andar à porrada. Quando me perguntam se não tenho receio de defrontar este ou aquele atleta, eu respondo que não há nada pior do que muitas das brigas que tive lá no bairro.”

No Rio, Célio Dias – que também é modelo da Just Models, vai iniciar um curso de Psicologia e frequenta um curso de escrita com o autor Pedro Chagas Freitas – aposta numa grande competição. “Sinto-me no meu melhor momento de forma. Se os outros conseguem surpreende­r, por que razão não poderei eu conseguir?”

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Telma com os amigos do bairro, Célio Dias e Sandra Borges

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