Diário de Notícias

Marcelo pesca fora do PSD

FICÇÃO POLÍTICA. O Presidente preocupava-se com o PSD no marasmo de Passos e com uma alternativ­a de liderança, Rui Rio, demasiado parecida. Então, Marcelo foi ao Porto fazer saber ao independen­te Rui Moreira que contava com ele

- Por Ferreira Fernandes Continua amanhã. Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão em www.dn.pt

AAcabado de desembarca­r do Brasil, Marcelo fez um telefonema, de Presidente para alcaide: “Está por cá?”, perguntou. Sim, o presidente da Câmara do Porto só fazia férias curtas, duma semana, e calhava estar na sua cidade neste início de agosto. “Vou vê-lo amanhã”, atirou-lhe Marcelo. Apesar de já ter recebido o PR e o PM sem gravata, no São João anterior, Rui Moreira espantou-se com a informalid­ade: “Mas... assim?” Marcelo disse-lhe que era um desejo súbito, como o de comer costeletas de sardinha, coisa que só na Ribeira ainda serviam. “Venha buscar-me a Campanhã, chego no Alfa Pendular, às 10.52.” Quando, no dia seguinte, Rui Moreira chegou à estação, arrependeu-se de ter ido só com o motorista: já lá estavam duas câmaras de televisão e um repórter, que ele reconheceu ser do JN. Fez de conta que telefonava, para não ter de dar explicaçõe­s que não tinha. Mas já o Presidente aparecia, sozinho, descontado os dois notórios guarda-costas. Marcelo pareceu surpreendi­do, também ele, com a presença dos jornalista­s, mas dispôs-se a dar-lhes uma explicação. “Meus senhores” falou para o semicírcul­o que se formou, “já vim ao Porto, em março, para encerrar as cerimónias da tomada de posse, e nas festas do São João...” Marcelo puxou Rui Moreira para si: “Agora vim para estar com o homem do Porto, aquele que voltou a colocar a Invicta no lugar que a cidade merece.” O Presidente agarrou no braço do dono da casa e dirigiram-se para o passeio da estação. Enquanto iam para o automóvel, Rui Moreira deu conta do carro banalizado, com um polícia que aguardava os colegas. Ficou com a sensação desagradáv­el de ser o último a saber. Sentados, Marcelo disse: “Fazemos uma volta pela cidade? Da igreja da serra do Pilar não há melhor vista para saber como o velho Porto cresceu entre as sua muralhas e saltou delas...” Rui Moreira fez sinal ao motorista para satisfazer o Presidente. Marcelo aproveitou o trajeto para dizer ao seu investido cicerone quanto fora inspirador­a para a sua campanha presidenci­al a vitória dele, em 2013, para a Câmara do Porto. E não era, avisou, só pelos poucos meios de candidato independen­te contra a abundância dos adversário­s – sobretudo do Luís Filipe Menezes, do PSD, que tinha investido em força. “Ah, a sua capacidade em juntar gente boa de vários lados! Aliás, depois de eleito, o doutor fez do socialista seu aliado...” Marcelo olhava o Douro, iam pela ponte do Infante, e rematou o rol de elogios: “E depois há o estilo. É preciso tê-lo, não é?... Mas, aqui entre nós, tivemos ambos sorte aos sermos precedidos, cada um de nós, por um contabilis­ta.” Chegavam ao adro da igreja redonda, de onde Gaia espreita melhor o Porto. Já Rui Moreira estava amaciado. Ele viu que havia mais jornalista­s, e isso não o aborreceu. Os dois foram para o miradouro. O portuense apontou a Cerca Velha à volta da Sé, o serpentear das muralhas fernandina­s, mais largas, e descreveu a traça das cidades do Norte europeu nas fachadas de Miragaia... Os jornalista­s permitiam-lhes um certo recato, o encontro era estranhame­nte pessoal. Mas quando Marcelo fez uma selfie dos dois com o Porto ao fundo, as câmaras e os microfones afluíram. Então, Marcelo voltou a falar aos jornalista­s: “Quando vim cá em março, eu disse a esta cidade para nunca se render à ideia errada de que é uma fatalidade Portugal estar votado a ser pobre.” Prosseguiu: “E disse-o, aqui, porque o mandato do doutor Rui Moreira mostrou que é possível acordar uma cidade.” O elogiado, antes de voltarem ao automóvel, avisou: “Agora vamos para o Mosteiro de São Bento da Vitória.” Não fossem os jornalista­s perder os louvores que o Presidente estava disposto a distribuir. Outra vez no carro, Marcelo, do tabuleiro inferior da Ponte D. Luís, olhava o rio e distraído perguntou pelo nome do festival, no Parque da Cidade. Era o Primavera Sound, de música indie e já se realizava há vários anos. Marcelo disse: “Engraçado, música indie... Quando o José Eduardo Martins, você sabe, aquele rapaz desaprovei­tado pelo PSD e é promotor dessas coisas, lhe propôs o festival, o Rui Rio disse-lhe: eh pá, devias era trazer o Quim Barreiros...” Rui Moreira confirmou: Marcelo, que não era adepto do seu próprio antecessor, também não o era do seu. Houve mais três paragens pelo Porto e outros tantos louvores públicos, mas não houve tempo para comer as costeletas de sardinha e arroz de tomate na Adega de São Nicolau, única parte do programa que o cicerone tinha organizado. O Intercidad­es tinha de ser apanhado às três e meia. De volta a Campanhã, Marcelo suspirou e disse, a despropósi­to: “Domingo, o PSD lá tem outra Festa do Pontal...” Já com o carro parado: “Que pena, um partido tão importante para a direita e sem um líder moderno e culto.” E despediu-se: “Enfim, havemos de falar...”

Rui Moreira confirmou: o Presidente, que não era adepto do seu próprio antecessor, também não o era do seu. Marcelo não gostava de Rui Rio e não o queria sucessor de Passos

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