Episódio 11 Todos os dias de agosto o folhetim de ficção política
FICÇÃO POLÍTICA. “Sabe, doutor António Costa, vocês têm a esquerda mais ou menos resolvida ou, enfim, tentando. Mas eu tenho de me preocupar com o país inteiro... e com a direita também”, começou Marcelo. Era a última audiência antes da rentrée política
PPR e PM, na sua mesinha de pé-de-galo habitual, no gabinete de trabalho presidencial. António Costa, ainda mais moreno, mas já sem a barba que deixara crescer por alguns dias de férias. Marcelo Rebelo de Sousa com ar cansado – depois do Brasil ainda tinha dado um saltinho ao Porto. No Palácio de Belém, aparentavam ambos o que era natural, um vindo de férias do Algarve, outro, partindo para lá. Era a última reunião antes de o ano político reiniciar. Costa, porque com mais energia, achou que devia quebrar o gelo, que era exatamente o que não havia: “Vejo que insiste em provar que este é um Palácio de Verão, e não de Inverno.” Queixava-se mais uma vez da mania de Marcelo de nunca, mas mesmo nunca, ligar o ar condicionado. Lá fora, Portugal ardia; lá dentro, os dois políticos estufavam. No tampo redondo, Costa colocara os jornais da manhã. As capas publicavam em letras gordas a visita inesperada, na véspera, do PR ao Porto, e a imagem da selfie de Marcelo e Rui Moreira, com a Ponte D. Luís ao fundo. Marcelo sorriu: “Uma coisa vai com a outra.” António Costa ergueu as sobrancelhas, o que é a sua pergunta favorita. Marcelo fez-lhe a vontade: “Ter ido ao Porto”, e apontou os jornais, “tem que ver com os meus esforços, que são partilhados por si, em fazer de verão este Palácio, isto é, de encontrar soluções.” E rematou: “Palácio de Inverno, de ser tomado de assalto, é que não será.” O PR e o PM passaram para o balanço morno que cabia fazer desde a última quinta-feira de encontro semanal. [Nota do folhetinista – sendo isto ficção política, o fogo que lá fora ardia era fátuo]. Nessa altura, à falta de sanções, o Presidente decretara: “A crise política evaporou-se.” E já era dado de barato – se tudo corresse sem as inevitáveis surpresas – que o governo iria aguentar-se até às autárquicas, dali a um ano. “Ouviu o Marques Mendes no domingo? Ele já deu isso como garantido...” Costa sorriu, teve a sensação de ouvir um eco reproduzido pela montanha e que lhe era trazido pela fonte inicial. “Tenho de confessar que não esperava que as relações do PC e do Bloco com o governo corressem tão bem”, insistiu o Presidente. “E parecem estar dispostos a ir mais longe... Reparou na entrevista do professor Louçã ao Jornal de Negócios?” Plácido, Costa disse que não, estava de férias. “Ah, mas é para ler, é para ler... Ele disse que essas reuniões a três que vocês têm de coordenar, sempre separados, deviam acabar.” O PM pôs ar compungido: “Na verdade, elas eram a quatro, porque também as fazemos com os Verdes...” Lamentou o PR: “Está a ver! Uma perda de tempo.” António Costa pôs o seu melhor sorriso de otimista irritante e decidiu revelar: “Há pouco eu disse eram a quatro. Por sugestão dos nossos parceiros, as reuniões vão passar a ser conjuntas.” Marcelo ficou radiante: “Está a ver! Há como que um espírito novo, é extraordinário.” E inclinou-se para dizer que, dias antes, naquela mesma sala, o representante do PAN deixara de ser talibã nas questões dos animais e estava disposto a uma moratória sobre as touradas. O PM pôs cara de póquer, sobre aquele assunto preferia ser ele a ceder, ganhando assim um voto para problemas mais urgentes... Mas Marcelo estava encantado: “Para mostrar boa vontade, você não vai acreditar, ele até estava disposto a ir para forcado, que é uma espécie de toureiro reformista...” António Costa pagou para ver o cartear seguinte e guardou a cara de póquer. “E chegámos ao Porto, não é?”, disse Marcelo. Recostou-se, porque a cadeira era de espaldar e braços, e pôs-se a desenhar mistérios no tampo da mesa de pé-de-galo. “Sabe, doutor António Costa, vocês têm a esquerda mais ou menos resolvida ou, enfim, tentando. Mas eu tenho de me preocupar com o país inteiro... e com a direita também”, começou Marcelo. Parou de passear o dedo porque não resistiu a uma piada: “Por mais que a direita esteja pequena... É que não desdenho dos pequenos, como sabe, as duas únicas entrevistas que dei em Portugal, desde que sou Presidente, foi ao Mensageiro de Bragança e à Rádio Terra Quente, de Mirandela.” “Bom...”, disse, para retomar a explicação. Mas não, lembrara-se de outro dado: “Leu o Expresso? Já me encontrei consigo 137 vezes, e com o líder da oposição só uma vez.” Urgia que a direita se recompusesse, pois o enquistamento de Passos Coelho não servia, “nem o favorece a si, que bem precisamos de experimentar todas as boas vontades.” Enfim, o encontro com Rui Moreira era uma procura da rolha, entre outras, para soluções futuras... Costa disse que achava bem. E não disse que iria desempatar com Marcelo. Já em janeiro, no Parlamento, o primeiro-ministro desenfiara-se no corredor do PSD e só apareceu meia hora depois de um encontro com Passos. “Nada transpirou”, disseram os jornais. Ora, no dia seguinte à audiência com o Presidente, Costa iria encontrar-se segunda vez, este ano, mano a mano, com o líder do PSD...
No dia seguinte à audiência com o Presidente, Costa iria encontrar-se segunda vez, este ano, mano a mano e escondidos, com o líder do PSD...