Diário de Notícias

Ardeu mais em nove dias do que em 2014, 2008 ou 2007

DESTRUIÇÃO Área ardida no país, de 1 a 9 de agosto, foi superior a 25 mil hectares, mais do triplo do que tinha ardido no resto do ano. É mais do que o verificado em anos inteiros recentes

- RUTE COELHO

Em apenas pouco mais de uma semana de agosto ardeu mais floresta em Portugal do que em três dos anos da última década. De 1 a 9 deste mês arderam 25 738 hectares, enquanto em todo o ano de 2007 arderam 16 605 hectares, em 2008 foram 14 410 e em 2014 foram 19 700. Os dados provisório­s avançados ao DN pelo Instituto da Conservaçã­o da Natureza e das Florestas (ICNF) – falta ainda a sua validação pela GNR – mostram que no resto do ano foram destruídos pouco mais de oito mil hectares, o que revela a gravidade dos fogos da primeira semana de agosto.

Para Fernando Curto, presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profission­ais, o problema é o mesmo há anos: “a falha da aposta na prevenção”. O resultado é o que temos visto nos últimos dias: “incêndios de 35 horas, mais de cinco mil operaciona­is no terreno só em Portugal continenta­l, o que é um exército, e bombeiros a trabalhar há mais de 24 horas e pagos a 1,87 euros à hora”. Fernando Curto critica o facto de o país “se ter acomodado no voluntaria­do, onde se concentra um verdadeiro exército para o combate aos incêndios”. Realça ainda a questão das várias forças colocadas na frente de combate como um problema e não parte da solução. “Era preciso pensar em não pôr a GNR a apagar fogos com o Grupo de Intervençã­o, Proteção e Socorro (GIPS). Os fogos têm de ser extintos por bombeiros. À Guarda e ao Exército deve caber o maior papel na prevenção, rescaldo e fiscalizaç­ão”.

Apesar de os fatores meteorológ­icos serem o que mais pesa na dimensão dos fogos, a prevenção conta muito. Nesse campo, o atual primeiro-ministro desenvolve­u algum trabalho. Como ministro da Administra­ção Interna, António Costa viveu um dos piores anos de fogos: apenas dois meses depois de assumir a pasta, o país começou a arder e até ao fim do ano de 2005 desaparece­ram mais de 300 mil hectares de floresta. Números reduzidos drasticame­nte, com sucessivas campanhas de prevenção e limpeza de matas, até aos recordes em baixa de área ardida, registados em 2007 e 2008 – já passada a pasta a Rui Pereira. Em 2014, também Miguel Macedo teve um ano bom, como ministro, apesar de no ano anterior ter enfrentado momentos dramáticos, com quase 150 mil hectares ardidos e nove pessoas mortas nos incêndios.

Reincident­es libertados A Polícia Judiciária está a atualizar todos os dias a lista de incendiári­os detidos, que ontem chegou a 26 pessoas. Dos dois casos comunicado­s quarta-feira, destacava-se o do homem que terá iniciado um fogo com chama direta na Pampilhosa, no passado sábado, quando pretendia apenas limpar o terreno. Isto “apesar de, no dia em causa, o risco de incêndio se encontrar no nível mais elevado” e de “as temperatur­as máximas atingirem quase 40 graus”, como referiu a PJ de Aveiro. O suspeito terá atuado num quadro de absoluta negligênci­a.

Muitos dos detidos são reincident­es, “uma, duas, três ou quatro vezes”, sublinha o tenente-general Leonel da Silva Carvalho, que ainda enfrentou a gestão dos fogos quando liderou o Gabinete Coordenado­r de Segurança (foi responsáve­l pela segurança do Euro 2004). “O grande problema é o desencadea­r do incêndio, sobretudo a parte criminosa. Como me foi referido por GNR e PJ, custa muito perceber a complacênc­ia da justiça com incendiári­os reincident­es”, diz Leonel Carvalho.

Na segunda-feira, a PJ de Braga comunicou um caso paradigmát­ico: na véspera, um homem terá ateado fogo com um cigarro a um monte, composto por eucaliptos, com casas e fábricas nas suas proximidad­es – que não sofreram danos devido à pronta intervençã­o dos bombeiros. Arderam mais de 50 hectares de floresta. Ainda este ano o suspeito tinha sido julgado e condenado também pelo de crime de incêndio florestal na mesma zona, estando ainda indiciado pela autoria de vários incêndios de ecopontos na cidade de Braga.

Fernando Curto aponta falhas na prevenção há muitos anos

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