A renascida após mês e meio de internamento, fez história ao recuperar o título dos 200 metros mariposa
Bala de Baltimore,
Nada melhor do que alguns traços de vulgar humanidade para engrandecer ainda mais um ídolo e as suas façanhas sobrenaturais. De Michael Phelps, durante muitos anos, esperou-se tudo menos a queda no poço sem fundo do álcool e da depressão. Mas, depois de provar a sua condição humana – ao cair num “sítio mesmo muito escuro” e sentir que “não queria viver mais” –, o melhor nadador de todos os tempos conseguiu levantar-se com a grandeza que lhe era reconhecida: o ponto alto desse caminho de redenção aconteceu na madrugada de ontem, quando o norte-americano recuperou o título olímpico dos 200 m mariposa.
O atleta dos EUA continua a colecionar medalhas e fixar registos inéditos na história dos Jogos Olímpicos: na terça-feira à noite (madrugada de ontem em Portugal) alcançou a 24.ª e a 25.ª da carreira olímpica (20.ª e 21.ª de ouro). A segunda, conquistada na estafeta 4x200 m livres (ao lado de Lochte, Dwyer e Haas) deu-lhe o recorde de ouros (nove) e medalhas olímpicas (11) em provas de equipas, superando a compatriota Jenny Thompson, também nadadora. No entanto, a primeira – dos 200 m mariposa – foi mais especial, e não apenas por Phelps se ter tornado o mais velho campeão olímpico de natação numa prova individual (31 anos e 40 dias) e ter igualado o máximo de títulos singulares de Larissa Latynina, ex-ginasta soviética nascida na Ucrânia (14).
A vitória dos 200 metros mariposa foi especial, sim, porque permitiu à Bala de Baltimore resgatar o único título olímpico individual que tinha perdido nas piscinas – em Londres 2012, ficou-se pela medalha de prata, atrás do sul-africano Chad Le Clos (antes dele, só o soviético Vladimir Salnikov tinha logrado recuperar um título individual na natação, os 1500 m livres em Seul 1988). “Queria mesmo este de volta”, assumiu. E assegurou-o com um início fulgurante, que permitiu deixar toda a concorrência para trás, apesar da aproximação do japonês Masato Sakai (com uma ponta final fortíssima, ficou a quatro centésimos de distância) e do húngaro Tamas Kenderesi (3.º, a 26 centésimos) no derradeiro parcial – Le Clos ficou em 4.º. Uma inesperada decadência No fim, o vencedor levantou-se na piscina, ergueu os braços e elevou os dedos indicadores, como quem mostra que o n.º 1 voltou – para uma Phelps ergueu os dedos indicadores para celebrar o retorno ao 1.º lugar dos 200 m mariposa. Antes dele, só o soviético Solnikov, em 1988, tinha sido capaz de resgatar um título individual, oito anos depois despedida em beleza, naqueles que devem ser os seus últimos Jogos Olímpicos. Mais do que para os espectadores ou para os outros nadadores, a mensagem podia ser para o próprio Phelps, como quem prova a si mesmo que foi capaz de voltar ao trono (na disciplina predileta), de uma forma que há dois anos parecia impossível. Em setembro de 2014, Phelps foi detido a conduzir sob influência de álcool: esteve suspenso e imerso na depressão e parecia incapaz à ribalta. Conseguiu-o com a ajuda de família, amigos (em especial, Ray Lewis, antigo jogador de futebol americano dos Baltimore Ravens) e do treinador Bob Bowman.
Na verdade, o processo de autoflagelação de Phelps começara muito antes, após os Jogos Olímpicos de Pequim, onde batera o recorde de medalhas de ouro numa só edição (oito). “Depois de 2008, mentalmente, estava terminado. Mas sabia que não podia parar de nadar, por isso forcei-me a fazer algo que não desejava. Durante quatro anos faltava a pelo menos um treino por semana. Pensava: ‘Que se lixe. Fico a dormir. Falto na sexta-feira e tenho um fim de semana prolongado...’”, explicou à revista Sports Illustrated, no ano passado.
Tamanho desprendimento não impediu que o nadador aumentasse a aura lendária em Londres 2012 (mais seis medalhas, para então se tornar o maior da história dos Jogos com 22 – 18 de ouro). No entanto, Phelps, que já fora apanhado a conduzir sob o efeito do álcool em 2004 e fotografado a fumar marijuana em 2009, sentia-se perdido: “Ao olhar para trás, apercebi-me de que vivi numa bolha durante algum tempo.” E só se reencontrou após uma detenção policial, uma suspensão (de seis meses, aplicada pela Federação de Natação dos EUA, levando-o a falhar os mundiais de 2015) e uma “intervenção” familiar que o obrigou a procurar ajuda. As lições do internamento Phelps passou mês e meio (entre outubro e novembro de 2014) internado numa clínica de reabilitação no estado do Arizona. “Provavelmente foi a altura da vida em que senti mais medo”, contou. Mas, contrariando as suas próprias expectativas, a terapia resultou. “Descobri muita coisa sobre mim que provavelmente sabia, mas não queria perceber. Percebi que me via como um atleta mas não como um ser humano”, explicou Phelps, que nas últimas semanas de tratamento se reaproximou do pai (Michael Fred), com quem mantinha uma relação complicada desde que os progenitores se separaram, na sua infância.
O nadador saiu da clínica como um homem novo, mais magro e barbudo. Não voltou a beber. E redescobriu o prazer de nadar, passando a treinar em piscinas de ar livre: “Sente-se uma energia diferente lá fora e é fantástico olhar o céu azul, depois de nadar.” Os resulta-