O ANGOLANO PARA QUEM A VIDA É UMA DANÇA
Adança e a música sempre estiveram presentes na sua vida. “A mãe da minha mãe foi bailarina. O irmão da minha mãe foi bailarino. O meu pai e o meu irmão tinham um grupo musical em casa. Havia sempre festas. O meu tio-avô, Liceu Vieira Dias, foi a pessoa que criou o semba.” Mestre Petchu, como é habitualmente conhecido Pedro Vieira Dias Tomás, nasceu em Luanda, tem família do Centro e do Norte de Angola. No dia 14 faz 49 anos. Chegou a Portugal há duas décadas. Veio só por um ano enquanto se encontrava em digressão por países da Europa com o seu grupo Ballet Tradicional Kilandukilu, mas acabou por ir ficando.
“Comecei a dançar em 1978. No início éramos um grupo carnavalesco, dançávamos semba de Carnaval. Eu dançava e tocava percussão. Algum tempo depois começámos a misturar o semba e em 1983 criámos o Ballet Tradicional Kilandukilu em Luanda.” Kilandukilu significa “diversão” em kimbundu, uma das várias línguas nacionais de Angola. “Nessa altura os grupos estavam a transformar-se em ballet por causa das fusões do Ocidente e começava a falar-se então em ballet tradicional. O‘T’ é de ballet, mas também de tradicional”, explica, sentado num dos sofás da Jazzy, escola de dança situada em Santos, onde realiza os ensaios do grupo de ballet, dá aulas de kizomba, semba e afro-tribal, além de ministrar cursos de formação.
Em Angola, a par da dança, teve algumas outras profissões. Foi candongueiro, ou seja, motorista de veículos de transporte coletivo de passageiros. Nos tempos livres também fazia judo. “A dança sempre foi parte da minha vida. Quando vim para Portugal, apesar de ainda ter trabalhado nas obras, é que passou a ser só dança”, conta, explicando que se deixou ficar em Portugal em 1996, quando o grupo de ballet andava em digressão e veio da Alemanha. “Todos ficaram cá, menos três, que voltaram. Hoje somos para aí uns 20”, afirma, explicando que o grupo tem muitas atuações, dentro e fora de Portugal.
O ensino da kizomba veio mais tarde. “Um dia o grupo foi convidado para ir à inauguração da estação de metro do Marquês de Pombal – ex-Rotunda. Lá estava uma rapariga a distribuir panfletos sobre o primeiro festival de danças do mundo em 1996 – que hoje é o Andanças – e nós depois fomos lá. Lá estava um senhor, o Quim, que me perguntou porque não dava aulas de dança. Eu disse que não porque o semba e a kizomba não se ensinam. Aprende-se. Nos pés. E a ler. Ele disse que se eu não ensinasse, alguém o faria no meu lugar”, diz, numa altura em que se preparava para ir ao Andanças dar, precisamente, aulas.
Depois de ter começado nessas lides, sentiu a dada altura também a necessi- dade de dar formação a professores e monitores de dança. “Em 2012 percebi que a kizomba estava a seguir um caminho que não era muito bom. Nota-se que a kizomba está adulterada. Isso vê-se em formas que há de ensinar, mas também se vê na noite em festas. As pessoas misturam salsa, misturam tudo, coisas que não têm nada a ver. Na dança misturam tudo e na música o que há mais é um pimba romântico. Muitos veem que o que é comercial dá muito mais dinheiro e, por isso, escolhem enveredar por esse caminho”, diz, no intervalo para almoço de uma dessas formações para professores na Jazzy. Quando lhe pedem exemplos de bons músicos angolanos da atualidade, pensa, depois lá faz referência a Yuri da Cunha. Quando lhe pedem exemplos de músicos angolanos que transformaram a kizomba nessa espécie de pimba romântico, recusa-se a apontar nomes.
Não gosta que digam que foi o primeiro a ensinar Kizomba em Portugal, por respeito aos mais velhos. “Sou um complemento do passado”, prefere dizer, constatando que o interesse dos portugueses pela kizomba explodiu nos últimos cinco anos. “No passado talvez não se interessassem tanto porque achavam que era uma dança de negros. Agora, com o aumento do interesse, há barreiras que têm sido quebradas”, constata, sublinhando que os angolanos são muito mais um povo de convívio e de festa do que os portugueses. “Aí o angolano supera muito o tuga.”
E que outras diferenças encontra? “Portugal é um país que fica na Europa, Angola situa-se em África. Logo aí, a nível cultural e educacional há diferenças, tal como a nível da gastronomia (destaca a muamba como prato angolano). Os hábitos e costumes das pessoas também são algo distintos, apesar de em termos de acolhimento sermos semelhantes. Em Portugal os vizinhos quase não se conhecem e não se falam. Em Angola os vizinhos falam-se e vão comer à casa uns dos outros. A porta está sempre aberta. Os vizinhos podem entrar. Não é preciso sequer bater.”
A Angola vai, de férias, sempre que lhe é possível. Voltar definitivamente não está, para já, nos planos. Que país encontra quando lá vai, por comparação ao que conheceu antes? “Agora parece que há mais dificuldades financeiras do que antigamente. Antes era tudo mais distribuído. O que acontece agora é que os ricos continuam ricos”, considera o bailarino profissional, sem querer emitir grandes opiniões sobre a situação política do país e casos como o dos ativistas que estiveram presos. “Penso que os governantes angolanos deviam ter em atenção essas situações. Mas a minha política, sabes, é mesmo a dança”, afirma entre risos.