Diário de Notícias

Uma viagem no elétrico 28 com muitos turistas e três portuguese­s

Alemães, franceses, holandeses, italianos, suecos... O DN só viu três lisboetas numa viagem do Martim Moniz aos Prazeres

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RUTE COELHO Viajar no elétrico 28, do Martim Moniz aos Prazeres, é encontrar uma boa parte do mundo europeu (e não só) numa só viagem – uma espécie de mini-InterRail cá dentro que transporta mais de 11 mil pessoas por dia. Nesta babel sobre carris, o DN falou numa única manhã com alemães, franceses, holandeses, italianos, polacos, russos e suecos. Num percurso que dura entre 40 minutos e uma hora, numa quarta-feira, vimos apenas três portuguese­s residentes em Lisboa, que tinham em comum terem mais de 60 anos e estarem fartos da onda de turismo que varre a capital... e o 28.

Com vários turistas de pé, os “vencedores” do prémio da família com os sorrisos mais rasgados foram os polacos Wojciech (o pai de família, que ia de pé mas feliz), a mulher, Magda, e o filho, Jeremy, de 2 anos. Junto deles, os avós de Jeremy, também de pé e risonhos. Todos estreantes em Lisboa. O avô sorria como se estivesse a realizar um sonho. “Viemos todos juntos. O meu pai queria andar no 28 todo o dia. Até nos sugeriu: vamos começar de manhã e andar todo o dia no elétrico a tirar fotos”, conta Wojciech. “Tudo isto invoca as memórias dele , de quando tinha 6 anos e andava em elétricos deste género na sua terra natal, na Polónia. Agora está com 65 anos.”

A família polaca ia seguir apenas até ao Largo de Camões. Daí, iria até ao Cais do Sodré para apanhar outro elétrico menos carismátic­o, o 15, até à Torre de Belém. “Gosto que o 28 vá a subir e a descer as ruas nas colinas de Lisboa: é uma aventura. Mas não me imagino a conduzir um carro aqui”, gracejou Wojciech. “Vamos ficar duas semanas em Portugal, quatro dias dos quais em Lisboa. Depois alugamos um carro para conhecer melhor o país.” A preparar-se para sair, com a mulher e o filho, Wojciech ainda perguntou ao DN: “Mas os lisboetas ainda usam este elétrico?”

A resposta estava numa idosa que seguia, sentada, a poucos metros da família polaca: Celestina Silva, de 77 anos, residente em Lisboa desde os 12, quando veio de Alenquer “para servir”. Vive ao pé do Hospital de São José e é perto dali que costuma apanhar o 28, quase todos os dias. “Está mais difícil de apanhar, há muito mais gente de há uns três anos para cá, muito mais turistas. Há dias em que os elétricos vão tão cheios que nem param na paragem. Na Calçada do Combro, onde por vezes o apanho, é complicado.” O tempo de espera, diz a idosa, “chega a ser

de meia hora e mais, por vezes”.

Celestina já é tão treinada nas andanças de elétrico que garante já saber distinguir carteirist­as: “Já conheço alguns de cara. Agora há aí umas mulheres nisso. Uma delas é muito bem posta, fala bem e tudo e faz-se passar por turista.”

Por regra, os viajantes estrangeir­os adoram a experiênci­a, mesmo com esperas de 30 a 45 minutos (para os que exigem ir sentados) no ponto de partida, o Largo do Martim Moniz. São frequentes as filas enormes a meio da manhã mas as carreiras vêm com mais regularida­de. Interessan­te também é ver que os turistas vinham todos preparados para a ideia de o elétrico ir cheio (informação que vem nos guias, diziam) e até para os carteirist­as (também referidos nos roteiros).

Russas criticam preço do bilhete A idosa saiu e no seu lugar, o banco de dois lugares à frente, perto do motorista, sentaram-se duas russas. “Somos amigas, da Rússia, mas eu vivo em Angola e Anastasia vive na Holanda”, contou Natália. “É a primeira vez que viemos a Lisboa. Uma das coisas que queríamos fazer aqui era andar no elétrico 28 porque é famoso e aparece em todo o lado, na internet. Apanhámos no Martim Moniz e vamos até ao fim, nos Prazeres.” Natalia e Anastasia criticaram apenas um pormenor, e não foi o elétrico vir cheio nem os carteirist­as. “Achamos os bilhetes caros: 2,85 euros só para uma viagem. Se fosse para ida e volta estava bem”, apontou Natalia.

Uma mãe francesa, Anik, e os seus dois filhos, Louis, adolescent­e, e Rémy, ainda criança, diziam-se “encantados” com a experiênci­a do 28, que apanharam no Largo da Graça. “Em Toulouse, onde vivemos, temos elétricos modernos mas sem qualquer charme. O 28 é extraordin­ário, faz parte da vida dos lisboetas”, conta Anik, que ia sair com os filhos em Alfama, “para ver e fotografar o velho bairro”. Helen e Hugo, holandeses a viver perto de Amesterdão, também apreciam o “velho elétrico” e “as vistas que proporcion­a da cidade”, mas criticam o tempo de espera para poderem ir sentados: 45 minutos.

Uma família alemã pela primeira vez em Lisboa, mãe e dois filhos, de Berlim, foi no 28 por ser diferente. Na capital alemã “há elétricos velhos, mas só para eventos especiais, como no Natal”, dizia a mãe.

Indiferent­es a pormenores negativos, as suecas Eva e Elizabete, já na casa dos 60 anos, entraram no Martim Moniz para sair no Largo das Portas do Sol e iam radiantes. “Não queremos saber se está cheio. Queríamos ter a emoção de andar no 28. O motorista disse-nos se queríamos esperar para ir sentadas ou de pé e nós preferimos ir de pé”, gracejou Eva. Nessa noite iam “dançar kizomba em Lisboa”. E da capital portuguesa seguiam para Cabo Verde, para “a ilha do Sal, dançar mais kizomba”. Com o espírito certo, o 28 é o estágio da dança.

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 ??  ?? Os turistas apreciam a experiênci­a mesmo com o elétrico cheio. À direita, a chegar a Campo de Ourique, para a última paragem: Prazeres, onde começam a surgir pequenos negócios para aproveitar a onda turística
Os turistas apreciam a experiênci­a mesmo com o elétrico cheio. À direita, a chegar a Campo de Ourique, para a última paragem: Prazeres, onde começam a surgir pequenos negócios para aproveitar a onda turística

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