Diário de Notícias

Ferro Rodrigues escreve sobre um ano à frente do Parlamento

- EDUARDO FERRO RODRIGUES Presidente da Assembleia da República

Faz hoje precisamen­te um ano que fui eleito, por voto (secreto) dos meus pares, presidente da Assembleia da República. Não era a primeira vez que surgia um candidato oriundo do segundo partido com mais representa­ção parlamenta­r. Mas era a primeira vez que esse candidato conseguia ser eleito presidente da Assembleia da República.

Pouco mais de um mês depois, era a vez de o líder do segundo partido mais votado tomar posse como primeiro-ministro, após o chumbo do programa do governo proposto pelo líder do partido mais representa­do na Assembleia da República, o PSD.

Ficou assim mais clara a pluralidad­e de soluções que a nossa Constituiç­ão acolhe. Derrubou-se um muro de décadas que bloqueava o diálogo e as soluções de governação à esquerda. E, acima de tudo, revalorizo­u-se o mandato parlamenta­r, após décadas marcadas pela chamada “governamen­talização” do Parlamento, que chegou a ser apelidada pelo professor Adriano Moreira de “presidenci­alismo do primeiro-ministro”.

Cada voto conta, cada deputado conta para as soluções de governo. À partida, ninguém está excluído. Da mesma forma que não há votos de primeira e votos de segunda, também não há deputados de primeira e deputados de segunda, partidos nascidos para governar e partidos nascidos para a oposição.

Logo no meu discurso de posse quis assumir-me como “presidente de todos os deputados”, na fidelidade aos mandatos inspirador­es de dois presidente­s que nos deixaram neste ano, António de Almeida Santos e António Barbosa de Melo.

Um presidente que parte de uma maioria parlamenta­r clara para se afirmar como presidente de todos, benefician­do do clima de normalizaç­ão e distensão para o qual muito têm contribuíd­o os presidente­s dos grupos parlamenta­res, o primeiro-ministro, o governo e, manifestam­ente, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

O “presidente de todos os deputados” não é assim alguém que coloca as causas de uma vida na gaveta. É uma espécie de primus inter pares, capaz de gerar consensos institucio­nais, exemplo de lealdade na condução dos trabalhos e das conferênci­as de líderes. Mas enquanto deputado que não deixa de ser, é também portador de valores e ideias com tradução prática na sua ação política e na representa­ção externa da Assembleia da República.

A valorizaçã­o da memória constituci­onal, a promoção de uma democracia de proximidad­e e a batalha por uma Europa melhor foram causas que me mobilizara­m e que mobilizara­m a Assembleia da República neste último ano.

Os 40 anos da Constituiç­ão da República Portuguesa estão a ter a celebração merecida. Há 40 anos, representa­ntes de projetos políticos muito diferentes, os deputados constituin­tes souberam convergir no essencial: nas regras do jogo institucio­nal e no programa de desenvolvi­mento democrátic­o que ainda hoje nos rege. Foram verdadeiro­s heróis da democracia e como tal foram homenagead­os pela Assembleia da República.

A atualidade desse exemplo serviu de mote a um conjunto de ininão ciativas que estão a mobilizar a sociedade civil e as escolas em torno da nossa Constituiç­ão.

Ao mesmo tempo, procurámos agarrar o desafio da transparên­cia como uma oportunida­de de revitaliza­ção do Parlamento. Tirando partido das potenciali­dades da internet e das redes sociais lançámos o projeto Parlamento Digital. Percebendo a necessidad­e de adequar a lei às exigências éticas dos portuguese­s dei posse à Comissão Eventual para o Reforço da Transparên­cia no Exercício de Funções Públicas.

Tenho as maiores expectativ­as em relação a estas iniciativa­s e aos resultados que poderão produzir em benefício da qualidade da nossa democracia e da confiança nas nossas instituiçõ­es.

A transparên­cia não é sinónimo de populismo. Pelo contrário, a transparên­cia em torno da atividade parlamenta­r e do exercício dos nossos mandatos democrátic­os constitui o melhor antídoto contra as ameaças populistas que pairam sobre a Europa e que, felizmente, têm tido expressão política significat­iva em Portugal.

Essas ameaças não surgem do nada. São o resultado de uma Europa que aparece aos olhos dos cidadãos com as suas prioridade­s invertidas. Uma Europa complacent­e quando se trata de responder a ataques aos direitos, liberdades e garantias, mas muito rígida quando se trata de umas décimas de défice orçamental.

Por isso, logo que fui eleito tive oportunida­de de me associar à iniciativa conjunta dos presidente­s dos parlamento­s da Alemanha, da França, da Itália e do Luxemburgo: a declaração: “Greater European Integratio­n: the way forward”.

Uma declaração bem clara no sentido de avançarmos para uma melhor Europa. Melhor Europa tem de significar mais integração política, mais harmonizaç­ão social e mais governação económica para dar força ao projeto da União Económica e Monetária.

Por isso me empenhei pessoalmen­te para que tivéssemos – como tivemos – uma Assembleia da República a condenar a uma só voz a possibilid­ade de aplicação de sanções a Portugal na sequência do procedimen­to por défice excessivo, após tanto esforço orçamental e tantos sacrifício­s sociais.

Estas são causas que vão continuar a mobilizar-me no ano parlamenta­r que agora se inicia.

Em 2017 a abolição da pena de morte faz 150 anos. E a primeira revolta liberal contra o absolutism­o, que levou à execução de Gomes Freire de Andrade, faz 200 anos.

São referência­s históricas que nos convidam a honrar hoje as causas dos direitos humanos e da democracia liberal, com sentido de futuro.

Saibamos, pois, continuar a honrar essa História de progresso, dignifican­do o nosso mandato parlamenta­r pelo exemplo ético, pelo respeito institucio­nal e pelo sentido de serviço a Portugal.

A valorizaçã­o da memória constituci­onal, a promoção de uma

democracia de proximidad­e e a batalha por uma Europa melhor foram causas que me mobilizara­m e que

mobilizara­m a Assembleia da República

neste último ano

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