Ferro Rodrigues escreve sobre um ano à frente do Parlamento
Faz hoje precisamente um ano que fui eleito, por voto (secreto) dos meus pares, presidente da Assembleia da República. Não era a primeira vez que surgia um candidato oriundo do segundo partido com mais representação parlamentar. Mas era a primeira vez que esse candidato conseguia ser eleito presidente da Assembleia da República.
Pouco mais de um mês depois, era a vez de o líder do segundo partido mais votado tomar posse como primeiro-ministro, após o chumbo do programa do governo proposto pelo líder do partido mais representado na Assembleia da República, o PSD.
Ficou assim mais clara a pluralidade de soluções que a nossa Constituição acolhe. Derrubou-se um muro de décadas que bloqueava o diálogo e as soluções de governação à esquerda. E, acima de tudo, revalorizou-se o mandato parlamentar, após décadas marcadas pela chamada “governamentalização” do Parlamento, que chegou a ser apelidada pelo professor Adriano Moreira de “presidencialismo do primeiro-ministro”.
Cada voto conta, cada deputado conta para as soluções de governo. À partida, ninguém está excluído. Da mesma forma que não há votos de primeira e votos de segunda, também não há deputados de primeira e deputados de segunda, partidos nascidos para governar e partidos nascidos para a oposição.
Logo no meu discurso de posse quis assumir-me como “presidente de todos os deputados”, na fidelidade aos mandatos inspiradores de dois presidentes que nos deixaram neste ano, António de Almeida Santos e António Barbosa de Melo.
Um presidente que parte de uma maioria parlamentar clara para se afirmar como presidente de todos, beneficiando do clima de normalização e distensão para o qual muito têm contribuído os presidentes dos grupos parlamentares, o primeiro-ministro, o governo e, manifestamente, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.
O “presidente de todos os deputados” não é assim alguém que coloca as causas de uma vida na gaveta. É uma espécie de primus inter pares, capaz de gerar consensos institucionais, exemplo de lealdade na condução dos trabalhos e das conferências de líderes. Mas enquanto deputado que não deixa de ser, é também portador de valores e ideias com tradução prática na sua ação política e na representação externa da Assembleia da República.
A valorização da memória constitucional, a promoção de uma democracia de proximidade e a batalha por uma Europa melhor foram causas que me mobilizaram e que mobilizaram a Assembleia da República neste último ano.
Os 40 anos da Constituição da República Portuguesa estão a ter a celebração merecida. Há 40 anos, representantes de projetos políticos muito diferentes, os deputados constituintes souberam convergir no essencial: nas regras do jogo institucional e no programa de desenvolvimento democrático que ainda hoje nos rege. Foram verdadeiros heróis da democracia e como tal foram homenageados pela Assembleia da República.
A atualidade desse exemplo serviu de mote a um conjunto de ininão ciativas que estão a mobilizar a sociedade civil e as escolas em torno da nossa Constituição.
Ao mesmo tempo, procurámos agarrar o desafio da transparência como uma oportunidade de revitalização do Parlamento. Tirando partido das potencialidades da internet e das redes sociais lançámos o projeto Parlamento Digital. Percebendo a necessidade de adequar a lei às exigências éticas dos portugueses dei posse à Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas.
Tenho as maiores expectativas em relação a estas iniciativas e aos resultados que poderão produzir em benefício da qualidade da nossa democracia e da confiança nas nossas instituições.
A transparência não é sinónimo de populismo. Pelo contrário, a transparência em torno da atividade parlamentar e do exercício dos nossos mandatos democráticos constitui o melhor antídoto contra as ameaças populistas que pairam sobre a Europa e que, felizmente, têm tido expressão política significativa em Portugal.
Essas ameaças não surgem do nada. São o resultado de uma Europa que aparece aos olhos dos cidadãos com as suas prioridades invertidas. Uma Europa complacente quando se trata de responder a ataques aos direitos, liberdades e garantias, mas muito rígida quando se trata de umas décimas de défice orçamental.
Por isso, logo que fui eleito tive oportunidade de me associar à iniciativa conjunta dos presidentes dos parlamentos da Alemanha, da França, da Itália e do Luxemburgo: a declaração: “Greater European Integration: the way forward”.
Uma declaração bem clara no sentido de avançarmos para uma melhor Europa. Melhor Europa tem de significar mais integração política, mais harmonização social e mais governação económica para dar força ao projeto da União Económica e Monetária.
Por isso me empenhei pessoalmente para que tivéssemos – como tivemos – uma Assembleia da República a condenar a uma só voz a possibilidade de aplicação de sanções a Portugal na sequência do procedimento por défice excessivo, após tanto esforço orçamental e tantos sacrifícios sociais.
Estas são causas que vão continuar a mobilizar-me no ano parlamentar que agora se inicia.
Em 2017 a abolição da pena de morte faz 150 anos. E a primeira revolta liberal contra o absolutismo, que levou à execução de Gomes Freire de Andrade, faz 200 anos.
São referências históricas que nos convidam a honrar hoje as causas dos direitos humanos e da democracia liberal, com sentido de futuro.
Saibamos, pois, continuar a honrar essa História de progresso, dignificando o nosso mandato parlamentar pelo exemplo ético, pelo respeito institucional e pelo sentido de serviço a Portugal.
A valorização da memória constitucional, a promoção de uma
democracia de proximidade e a batalha por uma Europa melhor foram causas que me mobilizaram e que
mobilizaram a Assembleia da República
neste último ano