Diário de Notícias

“O PS nunca mostrou vontade para negociar o que quer que seja”

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O governo está a semanas de fazer passar este segundo Orçamento. Não há sinais de divergênci­as insanáveis entre o PS e os parceiros que suportam o governo. O défice deste ano e do próximo ficarão claramente abaixo dos 2,5%. Não acha que há uma grande ironia no facto de ser um governo de esquerda, apoiado pelo PCP e pelo Bloco, a tirar Portugal do Procedimen­to de Défice Excessivo? Sabem qual é a minha posição em relação a esta matéria. Eu acho que nós tínhamos instrument­os, ferramenta­s ao nosso dispor para que isso já tivesse acontecido em 2015. É um debate que eu fui tendo… Não foi o que Bruxelas entendeu, não é? Foi um diálogo que eu fui tendo sempre com o primeiro-ministro, e ele sabe bem qual é a posição do CDS e qual é o nosso entendimen­to nessa matéria. Enfim! Não foi essa a história. A história é outra e isso vai acontecer. O que eu acho que é novo neste discurso do PS é trazer para o centro do debate político a questão da consolidaç­ão orçamental e do défice, quando acusou tanto o governo anterior de só falar dessa matéria. E nós hoje, quando perguntamo­s ao PS sobre o que é feito do cresciment­o económico de 2,4% para 2016 e de 3,1% para 2017, como estava previsto no plano de Centeno, aí todos encolhem os ombros. O que é feito do investimen­to público, que deveria neste ano estar a crescer 12% e está a decair 10%, -10% (nunca teve níveis tão baixos)? Isso é que acho que é uma grande perplexida­de: um governo das esquerdas unidas ter o investimen­to público mais baixo dos últimos tempos. E o défice mais baixo. O défice mais baixo, e também posso-lhe dizer que quando olhamos para execução orçamental o que vemos é uma compressão dos serviços públicos, tão alardeados e tão, aparenteme­nte, defendidos pela gente das esquerdas, mas, na prática, sem terem esse amparo. E vemos os juros a subir, a ação social a descer…. Há um ano, em plena campanha eleitoral, quem prometia continuar com o rigor orçamental e com cortes era a direita, e a esquerda o que estava a prometer era mais despesa, e agora está ao contrário. Não há também aqui uma ironia? É verdade. Há uma certa ironia. Mas repare que o caminho que tinha sido escolhido por nós era substancia­lmente diferente do que foi escolhido por este governo e, por isso, também o leque de possibilid­ades seria diferente. Nós tínhamos um nível de investimen­to público maior do que está a ter este governo. Porquê? Porque não consegue arrecadar receita – porque, evidenteme­nte, a política económica que defendeu e que quis prosseguir já mostrou ser um falhanço, uma política assente no consumo e na reposição dos rendimento­s. Portanto, este governo fez fé em que dando mais dinheiro às pessoas a economia ia crescer e, por isso, ia arrecadar o suficiente para manter as suas despesas. Isso não aconteceu. Aliás, quando nós olhamos para este Orçamento do Estado, que eu acho que é o retrato do falhanço desta política económica – e, por alguma coisa, já deixam de pôr tanto o foco no consumo e já falam do investimen­to e das exportaçõe­s como motores relevantes, como nós falávamos no passado –, o que nós vemos, ao mesmo tempo, é de facto uma compressão de despesa, que eu acho que é uma grande surpresa para partidos que tanto defendiam e nos acusavam de deixarmos a Saúde, a Educação ou a Segurança Social em mau estado. Ora, isso não aconteceu no nosso tempo, e neste momento está a acontecer. E depois dizerem que põem agora mais uns milhões de euros para a Saúde ou a Educação, depois temos de conferir como é que vai ser executado. Porque nós sabemos que, neste momento, o grande instrument­o para a execução orçamental é o instrument­o das cativações, que basicament­e é cortar. Portanto, tem lá cem inscritos, mas se o ministério lhe cortar 25… Uma das propostas que faria o CDS, se estivesse no governo, era aumentar o investimen­to público. Em contrapart­ida, faria o quê? A devolução de rendimento­s aos portuguese­s seria feita…? A devolução de salários na função pública, nós dissemo-lo sempre e achamos que esse seria o caminho mais correto, teria de ser necessaria­mente mais gradual. O IVA da restauraçã­o provavelme­nte não teríamos feito – em tempos, gostaríamo­s de o poder ter feito, não aconteceu. Achámos que, neste momento, já não precisamos desse choque do consumo. Mas foi uma das bandeiras do CDS. Outra matéria, por exemplo, em que que nós não teríamos certamente feito o que este governo fez foi a reposição das 35 horas, que me parece um sinal errado, que traz mais custos e degradação dos serviços públicos. Portanto, pelas várias razões, parece que é uma medida que não tem grande vantagem. E na sobretaxa? E, ao mesmo tempo, na sobretaxa ir reduzindo gradualmen­te. Isso certamente que sim. Repare, na altura, no programa conjunto – e foi sobre esse que nós refletimos –, o que estava prometido era, ao longo dos quatro anos, eliminar a sobretaxa. O que ficou prometido por este governo foi eliminar a sobretaxa logo no início, foi aprovado – não é prometido, aprovado – no Parlamento, com PCP, Bloco de Esquerda e Partido Socialista, o fim da sobretaxa no dia 1 de janeiro, mas isso, como se sabe, não vai acontecer. Ou seja, é uma questão de gradualism­o... Repare, as medidas excecionai­s têm de ser retiradas gradualmen­te, na nossa perspetiva, para se permitir, ao mesmo tempo, garantir um cresciment­o económico sustentáve­l. E isso permitir-nos-ia ter estabilida­de fiscal, não andar a inventar impostos grandes e pequenos, a introduzir a dúvida sobre que tipo de impostos é que vão ser criados . Além daquilo, o CDS já anunciou, na discussão na especialid­ade, que caminhos alternativ­os vai apresentar? Há propostas que são nossas e que nós continuare­mos a achar que são as melhores e que vamos continuar a apresentar. Por exemplo, o quociente familiar. Este governo acabou com o quociente familiar, que substituiu por uma medida que não é a mesma coisa e que, para o ano, nós vamos ver que vai penalizar as famílias com filhos. E se quiser um exemplo de uma medida que é nossa e que nós manteremos, aí está. Outra nas pensões, por exemplo. Eu fico perplexa ao olhar para aquilo que está a ser feito, neste Orçamento, em matéria de pensões. As pensões mais baixas não têm nenhum aumento. Nós, num tempo de extraordin­ária austeridad­e, quando entrámos, e em que as pensões estavam congeladas, subimos 17 euros as pensões mais baixas. Quando o CDS e o PSD estavam no governo, quando a oposição apresentav­a uma proposta, a resposta era: onde é que se vai buscar? Fará o mesmo sempre que apresentar uma proposta que tenha despesa? Com certeza. Essa tem sido a tradição e a preocupaçã­o do CDS, sabendo nós que há uma alternativ­a de medidas que tornará evidente que não indo por um lado haverá dinheiro por outro. Eu diria, por exemplo, que não teríamos o IVA da restauraçã­o a baixar, ainda que parcelarme­nte. E acha que o governo devia reverter essa…? Agora não tem forma de a reverter, mas acho que foi uma má medida. No momento em que estávamos, não me parece que tenha sido o necessário. Noutro momento, nós próprios a defendemos – não foi possível, não havia margem financeira para o fazer. Neste momento, acho que não era necessária. Ou melhor, haveria outras alternativ­as mais ne-

Quando olhamos para a execução orçamental,

o que vemos é uma compressão dos serviços

públicos Nós [CDS e PSD] tínhamos um nível de investimen­to público maior do que o que está

a ter este governo

cessárias, por exemplo as pensões mínimas. Admite algum tipo de negociação com o PS ou o CDS, neste caso, ou vai limitar-se a apresentar formalment­e propostas em comissão? Nós, desde que eu cheguei à direção do CDS, apresentám­os vários projetos legislativ­os de fundo em matéria de natalidade e apoio à família, em matéria de proteção de idosos e envelhecim­ento ativo, em matéria de Segurança Social – em que só pedíamos um contrato de transparên­cia para a Segurança Social – e em matéria de Educação, com um princípio de estabilida­de nas políticas educativas e mais algumas ideias. Em nenhuma destas matérias o PS mostrou o mínimo de vontade de negociar o que quer que seja. Tirando o envelhecim­ento ativo, que aceitou baixar sem votação, não deu resposta nenhuma até agora, não houve nenhum acrescento nessa matéria. E, portanto, nós vamos pedir para elas serem votadas. Acha que está inibido, por causa da coligação que tem à esquerda, sequer de conversar? Eu acho que não tem margem, com toda a franqueza, não tem margem política, não tem espaço e não tem tempo, tempo de trabalho para poder olhar para este lado. [O PS] está muito focado em manter a sua arquitetur­a de apoios à esquerda, que lhe dará muito trabalho, certamente. Aliás, nós vemos: vão aprovar um Orçamento em conjunto, mas ontem [quarta-feira] foi um ruído no Parlamento a propósito da questão da Caixa Geral de Depósitos. Portanto, vale a pena perguntar: mas vocês não são todos parte da mesma coisa? Entendam-se! Mas a verdade é que eu acho que o PS não tem interesse e não tem tempo para estar a fazer qualquer, sequer, diálogo construtiv­o deste lado. Nós manteremos uma lógica de oposição construtiv­a, de política pela positiva, tanto dizemos o que está mal como mostramos como é que faríamos diferente, com exemplos concretos e com propostas concretas. Se me perguntare­m qual é a minha expectativ­a, é baixíssima e é fundada nesta realidade que acabei de vos reportar. Mas não vamos desistir. O país foi surpreendi­do com esta coligação de esquerda – está a fazer um ano agora, em novembro –, mas houve alturas em que o CDS foi um partido de charneira entre o PSD e o PS, chegou a governar, aliás, com o Partido Socialista e governou várias vezes com o PSD. Está convencida, como muitos analistas, de que jamais voltará a ser possível a direita e a esquerda governarem sem maioria e o CDS coligar-se novamente com o PS? Parece-me relativame­nte claro essa ideia de que, em princípio, será difícil uma governação sem ser maioria. Agora, também me parece claro que o leque de possibilid­ades e a geometria das possibilid­ades aumentou. Portanto, neste momento temos, no fundo, dois blocos claríssimo­s – as esquerdas unidas e o PSD e o CDS – que protagoniz­am ou que demonstram dois caminhos bastante diferentes. Mas o Partido Socialista, que está hoje a fazer esta ponte à esquerda, eu não sei se vai permanecer sempre assim. Isso é uma pergunta que, um dia, tem de fazer ao Partido Socialista. O que eu lhe posso dizer… Mas pergunto-lhe a si, se o PS voltar a ser o que foi noutras alturas. O que eu lhe posso dizer é que o CDS-PP, neste momento, é uma claríssima e fortíssima oposição a um governo das esquerdas unidas e vê no PSD um seu parceiro e um aliado natural. Se isto vai ser assim para todo o sempre, não lhe posso dizer. Agora, nesta circunstân­cia, sabemos muito bem onde é que estamos. Nós não nos mexemos, quem se mexeu foi o Partido Socialista. Mas concede que, após esta solução de governo, será muito mais difícil o CDS voltar a ter essa posição? Sim, também essa posição foi em 1977 ou 1978. Portanto, deixou um subsídio histórico. O Eng.º António Guterres aprovou um Orçamento como deputado do CDS... Exatamente. E eu gosto desses subsídios históricos, até porque me faz lembrar o bom subsídio histórico na Câmara Municipal de Lisboa com o Nuno Abecassis. Portanto, não declino essa parte da história do CDS. Acho é que as coisas têm de mudar muito, e quando olho para a história que o CDS já fez com o Partido Socialista ou com o PSD, claramente há uma força e um conjunto de trabalho desenvolvi­do relevante e produtivo com o PSD. Para terminar, queria que me apontasse aquilo que considera ser o maior erro deste Orçamento do Estado e aquilo que considera ser a sua maior vantagem. Olhe, eu acho que o maior erro deste Orçamento é acrescenta­r a tudo o que difícil nós já tínhamos muita instabilid­ade e muita austeridad­e direta ou indiretame­nte, ao mesmo tempo que degrada a qualidade dos serviços públicos. Eu acho que é um mau Orçamento pelas duas vias e pelas duas perspetiva­s. E, portanto, é negativo. Aliás, até vos posso acrescenta­r outra coisa que a mim me preocupa muito, que é pensar que uma boa parte da despesa vai ser financiada com medidas de “uma vez”. Ainda nesta semana foi noticiada a questão dos dividendos do Banco de Portugal ou a questão da garantia do BPP, 450 milhões, num caso, 300 milhões, no outro. Estamos a falar de quase mil milhões de euros que, de facto… Não se vão repetir. Existirão no próximo ano, mas não se vão repetir. E preocupa-me a sustentabi­lidade deste Orçamento, preocupa-me o que está inscrito do ponto de vista de cresciment­o económico, porque sem sustentabi­lidade eu não vejo a possibilid­ade de alcançar, sequer, os 1,5% de cresciment­o económico que estão, neste momento, previstos. E o que é que tem de bom este Orçamento? Eu acho que de bom é o facto de poder vir a ser aprovado. Apesar de tudo, eu acho que o país, como está e com a correlação de forças que tem, é bom que tenha um Orçamento, apesar de ser muito mau. E, portanto, o facto de existir um Orçamento e poder ser aprovado e poder passar em Bruxelas, isso certamente que é positivo para o país. Porque pior do que este Orçamento seria não termos nenhum.

As medidas excecionai­s têm de ser retiradas gradualmen­te

Quando se ouve a conversa da esquerda sobre a CGD vale a pena perguntar: mas vocês são parte da mesma coisa?

O facto de existir um Orçamento que pode ser aprovado e passar em Bruxelas é positivo

para o país “Este Orçamento é mau, mas era pior não termos nenhum”

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A líder do CDS-PP diz que o Orçamento “é o retrato do falhanço da política económica” do governo, porque há uma grande compressão da despesa que põe em causa os serviços públicos
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