Homem rico, homem pobre
PAULO BALDAIA
Há muitos anos havia uma série na televisão, no tempo em que a RTP estava sozinha, com o nome que faz título nesta crónica. As virtudes do homem pobre não são, ao contrário do que nos pode parecer, uma coisa salazarenta e portuguesa. É geral, percorre a história e o mundo. Cristo era pobre, Gandhi por opção e Mandela por segregação idem aspas. São exemplos de uma cultura global que exalta a superação das dificuldades e a capacidade de sacrifício. Faz sentido. O que não faz sentido é, por contraponto, julgar um bom salário ou a riqueza acumulada como um pecado.
Olhemos para o nosso caso. Como bem lembrou Paulo Tavares nesta semana, aqui no DN, tanta pobreza que por cá existe não parece incomodar muita gente. É estatística o que nos revela que há dois milhões de portugueses a viver no limiar, mas esse problema não ocupa espaço correspondente nas nossas preocupações. Estamos sempre mais atentos à grande massa que compõe a classe média ou ao 1% dos portugueses que são verdadeiramente ricos. Há ricos por herança que, desde sempre, estão obrigados (imposto sucessório) a dar solidariamente uma pequena parte do que recebem e há os outros, aqueles que se esforçaram, se tornaram valiosos e, por isso, recebem salários correspondentes e pagam impostos correspondentes. São estes últimos os que geram mais incompreensão e mais inveja.
A classe média está sempre mais preocupada com os que se tornam ricos pelo salário do que com os pobres que eternizam a sua vida de pobres, passando essa “virtude” de geração para geração. Pessoas a ganhar bons salários, mais ainda se for no sector público, são uns grandes malandros. É por isso que faz pouco sentido perder tanto tempo a discutir o salário de António Domingues na Caixa Geral de Depósitos (CGD).
É claro que é fácil resumir esta questão ao facto de estarmos a falar de dinheiro público quando discutimos os salários da CGD. Vamos por aí. Se a questão é o facto de ser o nosso dinheiro a pagar aqueles salários milionários, vamos fazer contas simples e com números redondos. Se António Domingues for muito bom vai receber, com salário e prémios, cerca de 500 mil euros brutos por ano. É bom lembrar, ainda assim, que para casa não leva sequer metade. É muito dinheiro, pago por todos nós? É! Acontece que antes dele estiveram lá muitos outros a ganhar bem menos. E a conta está aí para pagar. São quatro mil milhões de euros para recapitalizar o banco público. Se não tivermos de lá pôr mais nenhum, dava para pagar o salário dele durante oito mil anos. Demagogia com demagogia se paga.