Diário de Notícias

O barato sai caro

- PEDRO MARQUES LOPES

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Na semana em que se falou dos salários do presidente da Caixa Geral de Depósitos, soube-se que o senhor Berardo se prepara para inaugurar dois novos museus em Lisboa, com duas das suas coleções de arte. Claro que é de louvar o altruísmo do cavalheiro, mas o nome Berardo recorda-nos, entre outras coisas, a célebre guerra de poder no BCP, em que uma das administra­ções da Caixa participou ativamente. Emprestou uma quantidade pornográfi­ca de dinheiro ao empresário para que comprasse ações do BCP, a garantia do empréstimo foram, apenas e somente, as mesmas ações. O resto é conhecido: as ações vieram para valores baixíssimo­s criando um buraco nas contas, o Berardo encolheu os ombros, a administra­ção da CGD assobiou para o lado e a tutela fingiu que não era nada com ela. Agora, adivinhe lá quem pagou o enormíssim­o prejuízo? Pois...

Alguém nos garante que, pagando o salário que se vai pagar a António Domingues, estamos livres de que uma pouca vergonha semelhante à descrita e outras que tais não se repita? Claro que não. Por muito que se tenha apertado o controlo ao banco do Estado, sobretudo através de entidades extranacio­nais, os critérios de gestão estratégic­os da CGD estarão sempre submetidos a ditames políticos.

O que se pode garantir com um gestor profission­al de qualidade reconhecid­a é que esse homem ou mulher não dependerá de um emprego que o poder político lhe oferece e que o seu currículo não tem como primeiro predicado a filiação partidária. E, como bem sabemos, é essa qualidade que tem sido a fundamenta­l na nomeação dos gestores da CGD.

Ora, quem quer profission­ais competente­s e independen­tes tem de os pagar a preços de mercado. No momento em que o Estado decide participar numa atividade em concorrênc­ia com privados, tem de jogar com as mesmas regras. Mais, estando em causa o interesse público, tem de haver o especial cuidado de tentar recrutar os melhores.

É assim de um populismo sem nome a proposta do BE em querer limitar os salários ao nível, ou quase, dos gestores da CGD ao do primeiro-ministro. Claro está que os bloquistas podem defender uma sociedade em que não exista atividade privada e, nesse caso, de facto, não faria sentido que qualquer funcionári­o público ganhasse mais do que o dirigente máximo do país ou que, num acesso de liberalism­o económico, achasse que o Estado não devia estar presente em nenhum setor económico que atuasse em concorrênc­ia com o Estado.

Falar de salários como o de António Domingues é território fértil para toda a demagogia deste mundo, sobretudo num país com o nível de retribuiçõ­es como o nosso e na situação que o país atravessa. Mas talvez a melhor maneira de se combater essa demagogia seja explicar que tem sido por pouparmos não contratand­o bons profission­ais e gastando em maus comissário­s políticos que a CGD chegou onde chegou e que quem pagou toda a incompetên­cia foi o cidadão.

Ou seja, o barato sai caro, muito caro mesmo.

Todo o debate sobre os salários da equipa de gestão da CGD e a forma como o governo se atravessou neste processo terão uma consequênc­ia sempre boa para tudo o que diz respeito à coisa pública: saberemos bem a quem pedir contas. António Costa e António Domingues serão sujeitos à mais implacável avaliação. Um porque é o autor da solução, o outro porque tem de justificar cada cêntimo do seu belíssimo salário que todos pagamos.

E se, por acaso, ao caro leitor lhe passou pela cabeça pensar porque diabo não têm sido escolhidos os melhores para gerir empresas públicas, talvez lhe ocorra que não pagar decentemen­te aos políticos tenha alguma coisa que ver com isso. É que isto anda mesmo tudo ligado.

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Tenho pouquíssim­as dúvidas de que Assunção Cristas vai ser a candidata apoiada pelo PSD à Câmara Municipal de Lisboa e com menos dúvidas fiquei depois de ler a entrevista de Passos Coelho ao Público. Em primeiro lugar, o PSD não tem um candidato a Lisboa que lhe permita ter um resultado, sequer, razoável. Com exceção de Santana Lopes, qualquer candidato militante do PSD arrisca-se a ficar atrás de Assunção Cristas. Resultado que seria um embaraço demasiado grande para o partido de Passos Coelho. Não desconheço a vontade, em alguns setores do PSD, de promover a candidatur­a de Maria Luís Albuquerqu­e, mas esse projeto tem tudo que ver com a vontade de a afastar de uma eventual corrida à liderança do partido e nada com a convicção de ela ser uma boa candidata – aliás, a possibilid­ade de ficar atrás da líder do CDS é bem real.

Em segundo lugar, se Assunção Cristas tiver um bom resultado, dada a pouquíssim­a tradição autárquica do CDS, o PSD não sairia humilhado, já que a eventual boa votação também lhe seria assacada.

Daqui a uns meses, estava capaz de apostar, teremos José Eduardo Martins a fingir que discute as ideias que foi recolhendo para Lisboa com o CDS e os democratas-cristãos, a contragost­o, a aceitarem o apoio do PSD.

Claro que é quase humilhante para o maior partido português ter de apoiar um candidato de um pequeno partido, mas quando se seca tudo em volta acontecem estas coisas.

Assunção Cristas vai ser a candidata apoiada pelo PSD à Câmara Municipal de Lisboa

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