O barato sai caro
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Na semana em que se falou dos salários do presidente da Caixa Geral de Depósitos, soube-se que o senhor Berardo se prepara para inaugurar dois novos museus em Lisboa, com duas das suas coleções de arte. Claro que é de louvar o altruísmo do cavalheiro, mas o nome Berardo recorda-nos, entre outras coisas, a célebre guerra de poder no BCP, em que uma das administrações da Caixa participou ativamente. Emprestou uma quantidade pornográfica de dinheiro ao empresário para que comprasse ações do BCP, a garantia do empréstimo foram, apenas e somente, as mesmas ações. O resto é conhecido: as ações vieram para valores baixíssimos criando um buraco nas contas, o Berardo encolheu os ombros, a administração da CGD assobiou para o lado e a tutela fingiu que não era nada com ela. Agora, adivinhe lá quem pagou o enormíssimo prejuízo? Pois...
Alguém nos garante que, pagando o salário que se vai pagar a António Domingues, estamos livres de que uma pouca vergonha semelhante à descrita e outras que tais não se repita? Claro que não. Por muito que se tenha apertado o controlo ao banco do Estado, sobretudo através de entidades extranacionais, os critérios de gestão estratégicos da CGD estarão sempre submetidos a ditames políticos.
O que se pode garantir com um gestor profissional de qualidade reconhecida é que esse homem ou mulher não dependerá de um emprego que o poder político lhe oferece e que o seu currículo não tem como primeiro predicado a filiação partidária. E, como bem sabemos, é essa qualidade que tem sido a fundamental na nomeação dos gestores da CGD.
Ora, quem quer profissionais competentes e independentes tem de os pagar a preços de mercado. No momento em que o Estado decide participar numa atividade em concorrência com privados, tem de jogar com as mesmas regras. Mais, estando em causa o interesse público, tem de haver o especial cuidado de tentar recrutar os melhores.
É assim de um populismo sem nome a proposta do BE em querer limitar os salários ao nível, ou quase, dos gestores da CGD ao do primeiro-ministro. Claro está que os bloquistas podem defender uma sociedade em que não exista atividade privada e, nesse caso, de facto, não faria sentido que qualquer funcionário público ganhasse mais do que o dirigente máximo do país ou que, num acesso de liberalismo económico, achasse que o Estado não devia estar presente em nenhum setor económico que atuasse em concorrência com o Estado.
Falar de salários como o de António Domingues é território fértil para toda a demagogia deste mundo, sobretudo num país com o nível de retribuições como o nosso e na situação que o país atravessa. Mas talvez a melhor maneira de se combater essa demagogia seja explicar que tem sido por pouparmos não contratando bons profissionais e gastando em maus comissários políticos que a CGD chegou onde chegou e que quem pagou toda a incompetência foi o cidadão.
Ou seja, o barato sai caro, muito caro mesmo.
Todo o debate sobre os salários da equipa de gestão da CGD e a forma como o governo se atravessou neste processo terão uma consequência sempre boa para tudo o que diz respeito à coisa pública: saberemos bem a quem pedir contas. António Costa e António Domingues serão sujeitos à mais implacável avaliação. Um porque é o autor da solução, o outro porque tem de justificar cada cêntimo do seu belíssimo salário que todos pagamos.
E se, por acaso, ao caro leitor lhe passou pela cabeça pensar porque diabo não têm sido escolhidos os melhores para gerir empresas públicas, talvez lhe ocorra que não pagar decentemente aos políticos tenha alguma coisa que ver com isso. É que isto anda mesmo tudo ligado.
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Tenho pouquíssimas dúvidas de que Assunção Cristas vai ser a candidata apoiada pelo PSD à Câmara Municipal de Lisboa e com menos dúvidas fiquei depois de ler a entrevista de Passos Coelho ao Público. Em primeiro lugar, o PSD não tem um candidato a Lisboa que lhe permita ter um resultado, sequer, razoável. Com exceção de Santana Lopes, qualquer candidato militante do PSD arrisca-se a ficar atrás de Assunção Cristas. Resultado que seria um embaraço demasiado grande para o partido de Passos Coelho. Não desconheço a vontade, em alguns setores do PSD, de promover a candidatura de Maria Luís Albuquerque, mas esse projeto tem tudo que ver com a vontade de a afastar de uma eventual corrida à liderança do partido e nada com a convicção de ela ser uma boa candidata – aliás, a possibilidade de ficar atrás da líder do CDS é bem real.
Em segundo lugar, se Assunção Cristas tiver um bom resultado, dada a pouquíssima tradição autárquica do CDS, o PSD não sairia humilhado, já que a eventual boa votação também lhe seria assacada.
Daqui a uns meses, estava capaz de apostar, teremos José Eduardo Martins a fingir que discute as ideias que foi recolhendo para Lisboa com o CDS e os democratas-cristãos, a contragosto, a aceitarem o apoio do PSD.
Claro que é quase humilhante para o maior partido português ter de apoiar um candidato de um pequeno partido, mas quando se seca tudo em volta acontecem estas coisas.
Assunção Cristas vai ser a candidata apoiada pelo PSD à Câmara Municipal de Lisboa