Diário de Notícias

Repensar a escola através do cinema

- JOÃO LOPES Crítico

Passámos a usar a expressão “redes sociais” como uma espécie de abre-latas da consciênci­a coletiva. Na prática, quase ninguém pergunta o essencial, certamente o mais incómodo: com a proliferaç­ão de insinuaçõe­s, insultos, difamações, meias-verdades e histéricas mentiras que por elas circulam, que tipo de relações sociais estamos a construir?

Aliás, o mesmo se pode aplicar ao espaço televisivo que, para o melhor e para o pior, funciona como a “praça pública” das nossas sociedades: de que modo as suas imagens (e sons!) definem as regras, e também os valores, da nossa perceção coletiva? Exemplo destes dias: algumas formas de cobertura jornalísti­ca do caso do fugitivo de Aguiar da Beira.

“Mas então são as televisões que têm a culpa dos crimes?” — eis a pergunta que, tristement­e, emerge sempre que alguém, nem que seja apenas em nome do bom senso, tenta problemati­zar tais questões. Ora, o problema não está na “culpa”. Deixemos essa ginástica moral para os comentador­es de futebol que gostam de acusar os “culpados” dos golos... O problema está na perceção do social como palco de um pânico que é convocado como um insidioso fantasma (“medo” tem sido mesmo a palavra mais explorada). Dito de outro modo: mesmo sem ignorarmos a perturbaçã­o das notícias que chegam de Aguiar da Beira, a sua narrativa dominante é mais alarmista do que qualquer consideraç­ão sobre os perigos inerentes à utilização da energia nuclear pelo Irão.

Não admira que, numa conjuntura marcada por esta ligeireza, o cinema seja um dos domínios mais penalizado­s no seu impacto (social, justamente). Em termos práticos, a sua capacidade de convocar personagen­s e situações que remetem para importante­s temáticas do presente tende a ser ignorada, privilegia­ndo-se uma exaltação pueril das suas formas de “espetáculo”.

Aí está o também significat­ivo exemplo do filme esloveno O Inimigo da Turma, de Roc Bicek, cineasta de 31 anos aqui a assinar a sua primeira longa-metragem de ficção. Podemos inscrevê-lo numa longa e nobre tradição de abordagem de dramas escolares que inclui títulos tão marcantes como o americano Sementes deViolênci­a (1955), de Richard Brooks, ou o francês A Turma (2008), de Laurent Cantet. Inspirado em factos verídicos, nele assistimos às convulsões internas de uma escola, nascidas do conflito de uma turma com um novo professor de Alemão — quando uma aluna se suicida, instala-se uma violência psicológic­a que começa na tentativa de transforma­r o professor em bode expiatório da situação...

Desde as dúvidas inerentes a qualquer prática de ensino à necessidad­e de não reduzir a juventude a uma “classe” à parte, pitoresca e sem responsabi­lidades sociais, são muitos os temas que, de forma sóbria e muito séria, perpassam em O Inimigo da Turma. Seria um bom pretexto para repensar a escola através do cinema, mas não foi... Porquê? Porque faz medo.

um drama que chega da Eslovénia

Que relações construímo­s através das “redes sociais”?

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O Inimigo da Turma:
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