Led Zeppelin dos primeiros dias
33 faixas e 21 canções de viagem às origens de uma banda icónica.
Quem olhar para o consumo da música popular fazendo do “pragmatismo” a única base de partida, pode passar adiante. Afinal de contas, volta a estar em causa uma banda que se separou em 1980, quando muitos dos integrantes do públicoalvo ainda não eram nascidos, e que, de então para cá, tem vivido fugazes e cirúrgicos reencontros, sem acrescentar nova matéria-prima ao respetivo património. Neste quadro, defenderão os mais céticos que a “utilidade objetiva” de uma edição como The Complete BBC Sessions é quase nula. De que “serve” uma edição em que seis das 21 canções aparecem mais do que uma vez e em que, por exemplo, um tema como Communication Breakdown surge em nada menos de cinco versões?
Não prefigura tudo isto um exagero na minúcia com que se embarde ca na “escavação arqueológica” destas gravações realizadas, nos casos mais recentes, há 45 anos? O que haverá de tão importante e de tão interessante nesta jornada aos primeiros anos de uma banda que, mesmo épica, icónica, seminal, há muito deixou de fazer parte dos ativos?
Já se sabe que, na música como em muitas outras áreas da vida, o preconceito mata. Ora, se aceitamos que uma obra erudita pode, com um mesmo intérprete, ganhar horizontes, sentimentos, matizes diferenciados, consoante o tempo e as circunstâncias em que fica registada, se aplicamos essa mesma regra às sessões que os homens do jazz promovem para, literalmente, “dar a volta ao texto”, não é aceitável que os grandes do rock sejam amputados desse mesmo direito.
Há – ou, no mínimo, pode haver – um solo, um rasgo de voz, um desvario rítmico, um improviso, umas piscadelas de olho suscetíveis de legitimar um desfecho diferente: de uma vez por todas, o rock não merece, e não aceita, continuar a ser tratado como parente pobre. Cai por terra a ideia de que, ouvido uma vez, um tema fica esgotado para sempre. Basta pensar, reportando a esta coleção, nas abordagens à canção You Shook Me, da autoria de Willie Dixon, um bluesman que os Zeppelin louvaram e glorificaram: a mais curta das três versões aqui depositadas pouco excede os quatro minutos, a mais longa vai além dos dez. No fim, será a mesma canção? Na essência, talvez. No embrulho, nada disso.
Outro andamento: o hino Whole Lotta Love, que tem direito a uma apresentação standard (pouco mais de seis minutos) e uma abordagem com bónus, uma vez que nela vão aparecendo, lá pelo meio, quatro canções das melhores proveniências (de John Lee Hooker a Doc Pomus e Mort Shuman, que ajudam a preencher quase 14 minutos). Vale a pena citar, ainda, a ocorrência da espantosa Dazed and Confused, também com tripla inscrição nesta coletânea: seis minutos e meio para a primeira presença, onze para a última, mais de 18 para a do meio, longa e diletante, mas muito distante daquilo que, prosaicamente, podemos designar por “encher chouriços”.
Mestres de palco Fica assim reunido todo o material que os Led Zeppelin gravaram sob os estandartes da BBC, nada menos seis sessões, com balizas cronológicas montadas em março de 1969 e abril de 1971. O que ilumina, desde logo, um dos fatores decisivos que marcam esta edição (que completa uma outra, parcial, dos registos da banda para a mesma BBC, editada em 1997): se há apenas dois anos de intervalo, entre abertura e fecho, aquilo que se ouve permite garantir um crescimento uniformemente acelerado à banda. Neste sentido: se começa por privilegiar o rigor e a eficácia, acaba por dar destaque ao que só o entrosamento, a cumplicidade e o conhecimento mútuo vão permitindo, à custa de concertos e ensaios. Sabemos bem que os Led Zeppelin ganharam o estatuto de mestres de palco, capazes de dar novos mundos ao mundo sem saírem do âmbito das “revisões da matéria dada” – e isso fica esplendorosamente demonstrado nesta ocasião de reencontro, mas também de descoberta permanente.
Há mais uma vantagem em The Complete BBC Sessions: os outros registos de palco da banda – The Song Remains the Same, How the West Was Won e Celebration Day, dos quais só o primeiro não se tratou de uma edição “póstuma” face à existência real do grupo – cruzam, de forma transversal, a obra publicada pelos Zep. Pelo contrário, e em razão das datas das gravações, assistimos aqui a uma concentração nos anos de conquista.
Basta dizer que, das 33 faixas apresentadas, 15 correspondem a canções do álbum de estreia e outras sete correspondem a matéria do segundo disco, havendo ainda espaço para pequenas pérolas como Travelling Riverside Blues (que conhecíamos de Coda, outra edição pós-separação, e de Boxed Set), Sunshine Woman e The Girl I Got She Got Long Black Wavy Hair, verdadeiras raridades de um universo que, com este foco, deixa acentuar as raízes blues que, aos poucos, foram permitindo novos voos e divagações.
Para aqueles que, desgraçadamente, nunca tiveram oportunidade de ver os Led Zeppelin em palco, esta edição vale seguramente como um analgésico, porque ajuda a adivinhar a concentração guerrilheira da secção rítmica de John Paul Jones e John Bonham, a visualizar a concentração ágil da guitarra de Jimmy Page e os sobressaltos vocais de Robert Plant. De alguma forma, ajuda-nos a perceber como é gratificante – mesmo à distância de 45 anos – poder estar perto dos deuses. E os Led Zeppelin, disso estamos certos, estiveram sempre longe da condição de deuses menores.
Das 33 faixas apresentadas, 15 são canções do álbum de estreia