O salário de António Domingues é justo?
PEDRO TADEU
Éjusto o CEO da Jerónimo Martins ter auferido em 2015 uma remuneração equivalente a 90,3 vezes o salário médio (médio, não é o mínimo) dos seus funcionários?
É justo os gestores de topo da Galp Energia, Sonae, Semapa, Ibersol, CTT, EDP, Mota-Engil, Portucel e NOS terem recebido valores suficientemente elevados para se situarem num intervalo de 30 a 72 vezes o valor do salário médio pago aos seus trabalhadores?
Não me interessa que António Mexia ganhe, na EDP, 1,8 millhões de euros num ano ou que o líder da Caixa Geral de Depósitos venha a receber 420 mil euros de salário. O que me interessa é perceber se o valor dos ordenados, mais altos ou mais baixos, praticados em qualquer empresa, grande ou pequena, pública ou privada, correspondem à aplicação de uma política salarial socialmente justa e empresarialmente responsável.
Quando, em 2008, a falência do Lehman Brothers e da AIG arrastaram para prejuízos gigantescos inúmeros bancos e seguradoras de todo o mundo, não faltaram articulistas de jornais económicos, arautos do liberalismo económico, amantes da globalização, inimigos da ideia socialista e, até, prémios Nobel da Economia a denunciar as gigantescas diferenças salariais entre a base e o topo da hierarquia dos grandes conglomerados financeiros e empresariais como um dos fatores primordiais da crise. Já nem sei a quantos governantes ouvi, entretanto, a promessa de correção dessa iniquidade.
O que aconteceu, porém, é que, de 2008 para cá, esse fosso remuneratório começou, outra vez, a aumentar.
Por cá, o fenómeno é igual: segundo um estudo da revista Proteste Investe às empresas do PSI 20, publicado em maio, os gestores receberam em 2015, em média, mais 14,2% em salários e prémios do que no ano anterior. O salário médio dos trabalhadores subiu, só, 3,6%... Ninguém liga aos erros do passado.
Num mundo minimamente leal, o salário dos CEO não deveria ultrapassar dez vezes a média dos salários dos outros trabalhadores – e isto já é imenso, se calhar demasiado para o que realmente valem muitos desses gestores. Os prémios, quando os resultados justificassem, deveriam ser proporcionalmente divididos por todos e mesmo os lucros, em alguma fração, deveriam ser distribuídos entre acionistas e trabalhadores.
Não, não me interessa quanto vai ganhar António Domingues mas interessava-me que na Caixa Geral de Depósitos nascesse um caso de decência salarial que fosse exemplar e empurrasse o país, o mercado, para seguir esse trilho de justiça.
Como isso não vai acontecer, como isso nunca acontece, como isso quando aconteceu, morreu... como posso acreditar no mito de um capitalismo justo?