Rajoy disposto a negociar com PSOE em troca de abstenção na investidura
Dirigente interino dos socialistas pretende que todo o grupo parlamentar se abstenha. Oito dirigentes regionais opõem-se a esta orientação. Mariano Rajoy promete política de mão estendida para com PSOE e Ciudadanos
Depois de quase um ano em funções como chefe de um governo de gestão e duas eleições legislativas, respetivamente a 20 de dezembro de 2015 e 26 de junho de 2016, Mariano Rajoy será finalmente empossado como presidente de um executivo plenamente em funções, o mais tardar até às 23.59 da próxima segunda-feira.
A longa crise política que se viveu em Espanha foi ultrapassada no passado domingo quando a instância máxima do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) entre congressos, o comité federal, decidiu mudar de posição, passando de uma atitude contrária à investidura do dirigente do Partido Popular (PP) à abstenção.
No momento atual, Rajoy só tem como certos 170 dos 176 votos necessários para a investidura numa primeira votação. As regras estabelecem que aqui o candidato deve obter a maioria absoluta dos 350 deputados, o que o líder do PP nunca conseguirá. É neste quadro que se torna fundamental a decisão do PSOE em se abster na segunda votação, em que será necessária apenas uma maioria simples. “Muito razoável” Em resposta, Rajoy classificou como “muito razoável” a decisão do PSOE, adotou uma linguagem de consenso, dizendo que na resolução do comité federal “há coisas que são boas e delas se poderá falar no futuro”. O dirigente do PP resguardou quais as coisas consideradas boas e a forma como delas se poderá negociar com os socialistas para o discurso de investidura. Fez questão, desde já, de referir que as reivindicações secessionistas da Catalunha é um dos temas em que procurará consenso com o PSOE e os liberais de centro-esquerda do Ciudadanos. Num plano mais geral, “de tudo se pode falar e chegar a acordo. Os jornais espanhóis recordavam ontem que, num discurso de 30 de agosto, Rajoy enumerou as prioridades de um novo mandato: o cumprimento das obrigações com a UE, a recuperação económica e a criação até 20 milhões de empregos nos próximos quatro anos.
Bastaram cinco horas de reunião e uma expressiva votação de 139 votos favoráveis à abstenção e 90 pelo não. Mais: o comité federal decidiu ainda que deve ser a totalidade dos 84 deputados socialistas a absterem-se “em bloco”, indicou o líder interino dos socialistas, Javier Fernández, recusando o cenário de que seriam apenas necessárias 11 abstenções para viabilizar a investidura de Rajoy, ficando os restantes eleitos do PSOE desobrigados da presença na sessão no Parlamento ou podendo, inclusive, votar contra. Esta última posição é sustentada, entre outros, pelo Partido Socialista da Catalunha (PSC), que insistiu ontem, através de uma das suas principais dirigentes, a secretária para a organização, Assumpta Escarp, no sentido de voto negativo dos sete eleitos pela Catalunha. Domingo, após ser conhecida a decisão do comité federal do PSOE, o primeiro secretário do PSC, Miquel Iceta, anunciara esta posição, declarando que iriam “desobedecer e aguentar as consequências” para “romper com a lógica do PSOE”. O que, no limite, levaria à redefinição das relações entre as duas formações políticas, aventando-se ontem o reforço da autonomia do PSC, que prescindiria de representação na direção do PSOE, mas mantendo-se integrado no grupo parlamentar socialista. Abstenção mínima Oito outros líderes regionais socialistas seguiram via semelhante. Os dirigentes das Baleares, País Basco, Castela e Leão, Ceuta, La Rioja, Madrid, Murcia e Navarra escreveram ontem a Javier Fernández, que dirige o partido desde o afastamento de Pedro Sánchez, pedindo que se pratique a abstenção mínima para Mariano passar na investidura: 11 votos. Esta opção reforçaria “o sentido político” da opção do PSOE e ajudaria a “superar a atual divisão no partido”, lê-se no texto.
O PSOE, que vive a maior crise interna de sempre, estava ontem também a sofrer fortes pressões dos partidos à sua esquerda.
O Podemos afirmou que poderá romper os pactos firmados com os socialistas em diferentes autonomias, salientando que apoiaria nestas regiões os dirigentes deste último partido que não seguissem a orientação estabelecida no comité federal de domingo. Por seu turno, Alberto Garzón, dirigente da Esquerda Unida, declarou no final de uma audiência com o rei Felipe VI ter avisado este que “vem aí um ciclo de mobilizações sociais” em resposta às medidas de austeridade do novo governo do PP, “que vão ser possíveis com o apoio a este do PSOE”. Para as datas possíveis da investidura, está marcada uma manifestação diante do Congresso dos Deputados sob a palavra de ordem “Perante o golpe da máfia, democracia.”
Felipe VI começou ontem e conclui hoje o ciclo de consultas aos partidos para constatar se existem condições para a formação de novo executivo ou se se avança para a dissolução de ambas as Câmaras e novas eleições, a 18 de dezembro.
A incerteza sobre a data de votação da investidura resulta de Felipe VI estar até dia 29 na XXV Cimeira Latino-Americana, na Colômbia. Embora não seja obrigatório, considera-se costume que o rei deve encontrar-se em Espanha no momento de uma votação como esta.