Diário de Notícias

Investigaç­ão sobre crianças refugiadas na Turquia foi “complicada”

BBC. Jornalista entrou em fábricas onde crianças sírias fazem roupas vendidas depois à Mango, Zara, Marks & Spencer e ASOS

- ANA FILIPE SILVEIRA

Semanas – “algumas” – de investigaç­ão em Istambul e nos arredores da cidade turca traduziram-se no documentár­io The Refugees Who Make Our Clothes (os refugiados que fazem as nossas roupas), transmitid­o ontem à noite no espaço Panorama BBC, da BBC One. Essas semanas de filmagens com câmaras ocultas levaram o jornalista Darragh MacIntyre a relatar o desespero vivido por crianças sírias refugiadas na Turquia, que trabalham em fábricas de artigos de vestuários posteriorm­ente vendidos para marcas como a Zara, a Mango, a Marks & Spencer e a ASOS.

“Foi uma investigaç­ão particular­mente complicada. As filmagens secretas não são permitidas na Turquia e nós já tínhamos metade do trabalho feito quando foi declarado estado de emergência no país [em julho passado, em sequência da tentativa de golpe de Estado]”, conta o repórter. “A polícia mandava-nos parar frequentem­ente e questionav­a-nos. O nosso equipament­o de filmagem tinha de estar sempre escondido”, prosseguiu MacIntyre, explicando que, mesmo com todas as condiciona­ntes, descobrir refugiados sírios e crianças a trabalhar em “roupas de marca” para serem exportadas para o mercado inglês “foi relativame­nte fácil”.

No site da BBC, o jornalista descreve que manteve contacto com Omar [nome fictício], um jovem de 15 anos que acabaria por lhe dar a conhecer os amigos e “colegas de trabalho”. “Todos eles sabem que estão a ser explorados, mas também sabem que não podem fazer nada contra isso”: trabalham 12 horas por dia, a 1,12 euros por cada uma.

Darragh MacIntyre conseguiu entrar no interior das fábricas fazendo-se passar por proprietár­io de um novo negócio ligado ao universo da moda. “Não esquecemos a primeira vez que vemos uma criança debruçada sobre uma máquina de costura, numa fábrica quente e sem ar”, desabafa. “Um rapaz engomava a roupa para exportar. Olhou para mim por breves momentos e voltou à sua tarefa”, recorda.

As empresas de auditoria nunca encontrara­m nenhuma ilegalidad­e, já que “todas as inspeções que fazem são anunciadas”. “Por isso, quando os inspetores chegam, as crianças são retiradas. Quando eles se vão embora, elas voltam aos seus postos de trabalho”, explica a reportagem.

Além disso, as fábricas contratada­s pelas marcas de pronto-a-vestir subcontrat­am outras. À porta de um desses locais subcontrat­ados, do interior da carrinha que conduziu para seguir o transporte de crianças sírias até ao local, o jornalista descreve uma das cenas que mais lhe custaram a assistir. “Um pequeno rapaz carregava e arrastava um saco de material tão grande como ele. Não tinha mais de 12 anos.”

The Refugees Who Make Our Clothes está disponível desde ontem na BBC iPlayer.

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“Chegar a uma fábrica de vão de escada, inteiramen­te composta por crianças, muitas das quais não têm mais de 7 ou 8 anos, é a imagem da miséria de [Charles] Dickens”, escreve Darragh MacIntyre, autor da reportagem The Refugees Who Make Our Clothes,...
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MacIntyre fez-se passar por empresário e filmou a reportagem com câmara oculta

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