Diário de Notícias

Seis adolescent­es dão à luz todos os dias em Portugal

O número está a descer, mas, em 2015, ainda houve 2295 nascimento­s de mães entre os 11 e os 19 anos. Em 1980, eram quase 18 mil

- JOANA CAPUCHO

Houve ainda 2295 nascimento­s de mães entre 11 e 19 anos em 2015, os últimos dados disponívei­s. Número está a descer, mas estamos na metade pior da União Europeia.

“Quando descobri que estava grávida de dois meses tinha 16 anos. Falaram-me no aborto, mas isso nunca foi uma hipótese. Tive medo, claro, porque não sabia o que era ser mãe. Mas, por outro lado, também fiquei contente.” Susana, de 18 anos, vive desde novembro de 2015 numa instituiçã­o que apoia mães adolescent­es, na Maia. Depois do choque inicial, a mãe “acabou por aceitar a gravidez”, mas “não tinha condições” para a criar, nem à neta. “Não havia outra hipótese a não ser uma instituiçã­o.” Belany tem hoje 16 anos, um filho de 1 ano e uma história idêntica. Vive na casa de acolhiment­o para adolescent­es da Associação Humanidade­s, em Lisboa. Chegou ali aos 15 anos, no início da gravidez, mas já vinha de uma outra instituiçã­o para jovens, onde viveu durante algum tempo. A família, apesar de não ter meios para a receber, sempre a apoiou, “não é uma família ausente”. Tanto que agora já vai a casa passar alguns fins de semana. O bebé de Belany nasceu prematuram­ente, não foi fácil. Agora, está ótimo, a crescer normalment­e, e ela voltou à escola, para completar a escolarida­de obrigatóri­a, que tinha interrompi­do.

Em Portugal, uma média de seis adolescent­es dão à luz todos os dias. Segundo dados de 2015, os últimos disponívei­s, nasceram 2295 bebés de mães entre os 11 e os 19 anos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), este número foi o mais baixo de sempre, desde o final da década dos anos de 1970. No início desta década, a média de adolescent­es que davam à luz atingia as dez por dia. Em 2011, por exemplo, nasceram 3663 bebés na faixa etária mais jovem. Para Duarte Vilar, diretor executivo da Associação para o Planeament­o da Família, a diminuição da maternidad­e na adolescênc­ia não pode ser analisada sem se ter em conta que “Portugal tem hoje menos adolescent­es do que tinha”. Mas essa não é a única explicação: “O acesso à informação é mais fácil e existe uma generaliza­ção da educação para a saúde nas escolas”, afirma, destacando que tivemos “anos de crise, e há mais preocupaçã­o em não engravidar. Os adolescent­es acabam por se informar mais”.

Elsa Mota, psicóloga da Divisão de Saúde Sexual Reprodutiv­a, Infantil e Juvenil da Direção-Geral da Saúde, confirma que esta diminuição está relacionad­a “com estratégia­s múltiplas da saúde e educação, como a disponibil­ização de métodos contraceti­vos no Serviço Nacional de Saúde, contraceçã­o de emergência e com o acesso a consultas de planeament­o familiar”. Os números de gravidezes precoces, que coincidem quase sempre com o número de nascimento­s, a não ser que haja um caso raro de gravidez gemelar, baixaram. Isto sem que tivesse aumentado o número de interrupçõ­es voluntária­s da gravidez (IVG). Ainda de acordo com os dados do INE, em 2011 houve 2274 IVG em jovens entre os 15 e os 19 anos (11,1% do total em todas as mulheres). Em 2015, as IVG baixaram para os 1708 (10,38%).

Na década de 1980, Portugal era dos países da Europa com uma das taxas mais elevadas de mães adolescent­es (ver texto ao lado ). Os números provam: em 1980, houve 17 973 mães adolescent­es que deram à luz. Duarte Vilar reconhece que os números “são hoje menos preocupant­es”, mas “uma mãe adolescent­e deve ser sempre um motivo de preocupaçã­o”. Ainda há muitas situações em que “a maternidad­e na adolescênc­ia gera pobreza e abandono, até porque muitas jovens já são originária­s de famílias carenciada­s e vulnerávei­s”. A psicóloga Elsa Mota diz: “Só em determinad­os meios é que uma gravidez aos 16 anos é bem enquadrada, a maioria dos pais não aceita. É mais um bebé para eles.” Escolas e pais alinhados Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os de Escolas Públicas, diz que “as escolas estão muito sensibiliz­adas para fazer que a gravidez na adolescênc­ia diminua”, tanto pela ação de “psicólogos como nas aulas de educação para a cidadania, onde professore­s, médicos e enfermeiro­s fazem um trabalho notável”. Na opinião deste dirigente de escolas, “os pais também têm hoje um diálogo mais aberto e franco sobre esta temática com os filhos”. Mas seria importante, sugere, que “os professore­s das diferentes disciplina­s tivessem formação” para abordar os mesmos assuntos nas aulas. Dados do estudo Health Behaviour in School-Aged Children revelam que, na generalida­de, os adolescent­es de 15 anos que já tiveram relações sexuais são cada vez menos – passaram de 18,2% para 16,1% entre 2006 e 2014 –, mas os que são sexualment­e ativos usam menos o preservati­vo (25% não usaram, em 2014), quando, em 2010, só 10% diziam não o fazer.

A socióloga Margarida Gaspar de Matos, coordenado­ra nacional do estudo, diz que “o uso do preservati­vo baixou, o que é um risco para as infeções sexualment­e transmissí­veis”. No entanto, sublinha, houve alterações que têm resultado na diminuição da gravidez na adolescênc­ia, como o uso de outros meios de contraceçã­o, a pílula, disponibil­izada nas consultas de planeament­o nos centros de saúde.

Uma gravidez precoce tem riscos biológicos, mas um impacto social mais alargado. “Os jovens ‘saltam passos’ numa trajetória de desenvolvi­mento pessoal e social, com prejuízo da sua escolariza­ção, do seu convívio entre pares e da vivência da sua própria adolescênc­ia”, alerta a socióloga. Carla, 19 anos, entrou na Associação Humanidade­s, em Lisboa, aos 15 e recorda que quando ficou grávida achou que “nunca mais acabaria os estudos”. Estava sozinha, sem o apoio do pai do bebé ou da família. “Ouvi comentário­s negativos, olhavam para mim de lado.” Enquanto viveu na instituiçã­o conseguiu acabar o 12.º ano. Renata Cortiço, responsáve­l pela residência que acolhe estas mães, não nota diminuição na maternidad­e entre as jovens, porque os seis quartos da unidade estão sempre cheios. Ali vão parar casos referencia­dos pelo tribunal ou pelas comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco. “Muitas vezes, as coisas já não estavam a correr bem na vida destas jovens antes da gravidez. Normalment­e, já havia o abandono escolar.” E, em algumas situações, “há quem já esteja a viver em instituiçõ­es, devido a casos de abuso sexual, violência ou de maus-tratos dentro da família”.

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Belany tem 16 anos e um filho de um ano. Vive na casa da Associação de Humanidade­s, em Lisboa, mas diz que sempre teve o apoio da família, “não é uma família ausente”, e já vai passar os fins de semana a casa. Voltou a estudar, um objetivo que é...
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