Em 150 anos Lisboa teve 56 derrocadas, que causaram 32 mortos e 402 desalojados
O deslizamento de terras na Rua Damasceno Monteiro vai ser inserido na base de dados Disaster, que regista derrocadas e cheias desde 1865 em todos os concelhos. A encosta está assinalada no PDM com risco médio a elevado
Lisboa é o concelho que teve mais ocorrências de derrocadas nos últimos 150 anos. Desde 1865 até 2015, a capital registou 56 deslizamentos de terras que provocaram 32 mortos, 125 evacuados e 402 desalojados, adiantou o geógrafo José Luís Zêzere, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, coordenador da base de dados Disaster. Trata-se do maior levantamento científico de cheias e derrocadas que causaram vítimas mortais em Portugal no último século e meio, com base na informação publicada em jornais. Ali se podem consultar os perfis de risco para cada um dos concelhos do país.
“O deslizamento de terras que aconteceu esta semana na Rua Damasceno Monteiro, na Graça, vai ser inserido na base de dados. É o acontecimento mais significativo em Lisboa desde 2010, já que nos últimos cinco anos não foram registadas derrocadas”, referiu José Luís Zêzere.
A encosta da Graça onde se situa a Rua Damasceno Monteiro está assinalada no mapa de riscos do Plano Diretor Municipal (PDM), cuja última revisão foi em 2012. Está classificada como tendo risco médio a elevado de derrocada. Significa que qualquer projeto de construção ali está condicionado à apresentação de um estudo prévio e parecer técnico, baseado em estudo geológico, nos termos do PDM. Ruiu sem haver chuva ou sismo “O que mais me espantou, em relação à derrocada da Damasceno Monteiro, foi que aconteceu sem ter um fator desencadeante: não houve nenhum sismo e não choveu muito”, assinala o geógrafo. Significa que os terrenos que cederam “estariam muito próximos do limite de estabilidade, uma vez que partiram sem haver um impulso muito forte”, sublinhou o coordenador da base de dados Disaster.
“O que ali está por trás é um muro [do condomínio Vila da Graça], uma estrutura que já não é natural. Os muros são como as pontes e pilares das pontes, se não são acompanhados de manutenção podem ceder. Tivemos a experiência dura da ponte de Entre-os Rios, que caiu em 2001.”
A diretora municipal de projetos e obras da Câmara de Lisboa respondeu à imprensa no local, na sexta-feira, que em causa está um muro de betão “projetado para o terreno natural e que, ao fim destes anos todos, porque a drenagem natural do muro deixou de funcionar, naturalmente colapsou [foi na segunda-feira, às 5.40]. Não são muros que tenham manutenção específica”, justificou.
O DN fez várias perguntas sobre o assunto ao gabinete de comunicação da Câmara de Lisboa, que apenas enviou uma resposta a remeter para o PDM e o mapa de riscos da cidade. Também não respondeu se a Proteção Civil estava a fazer intervenções em zonas com risco elevado de derrocada em Lisboa.
Mas José Luís Zêzere garante que não há necessidade de proibir a construção nas zonas da capital classificadas de risco. “Há alguns constrangimentos geotécnicos que levantam problemas à construção na cidade de Lisboa mas com a engenharia disponível podem ser resolvidos sem custos adicionais.”
A razão de Lisboa estar em primeiro lugar do ranking em derrocadas e cheias tem uma explicação: “A topografia é complicada e a geologia também. O solo apresenta rochas sedimentares não muito consolidadas, inclinadas com o declive das vertentes.”
Até ao incidente na Rua Damasceno Monteiro, a freguesia da Graça não apresentava uma única ocorrência de derrocada em 150 anos, segundo a base Disaster. A freguesia com mais ocorrências foi a do Beato, com oito deslizamentos de terra assinalados.