De geringonça a case study
Com a esquerda europeia em risco de acabar 2017 sem governar nenhum dos grandes da Europa (França e Itália são as exceções, ainda), é curioso que do outro lado do Atlântico, em Harvard, se esteja a preparar uma conferência sobre se “Existe um futuro para a esquerda na Europa?”. Entre os conferencistas que falarão na universidade americana está o português António Costa Pinto, que abordará um raro caso de sucesso para a esquerda, mesmo que aconteça num pequeno país, sem a influência da Alemanha ou da França.
Veremos como o académico traduzirá geringonça, palavra lançada como pejorativa por quem desdenhava o governo socialista apoiado pela restante esquerda parlamentar mas que hoje traduz uma fórmula que tem dado resultados. O site Politico, num recente artigo sobre Portugal, falava de contraption, mas não é garantido que outras traduções para inglês não venham a surgir. Nos últimos tempos, este tem sido aliás um dos desafios das embaixadas em Lisboa – encontrar a palavra certa para os despachos. De briquebalante, em francês, a Kraken Wagen, em holandês, já se ouviu de tudo. Os espanhóis, pelo menos, têm a vantagem de ter na sua língua a palavra jerigonza.
Mas uma palavra não faz uma solução de governo, como descobriu Pedro Sánchez, o ex-secretário-geral do PSOE. Tentando aproveitar a vitória sem maioria absoluta da direita espanhola (como aconteceu à portuguesa), Sánchez inspirou-se em António Costa e tudo fez para criar um governo de esquerda. Só que Sánchez não tem a experiência do primeiro-ministro português e a própria relação de forças entre os socialistas espanhóis e o Podemos é mais propícia a braços-de-ferro do que a mãos dadas. Não percebeu também o então secretário-geral do PSOE que as divergências entre o PS e o BE e PCP sobre a UE ou a NATO não se comparam ao fosso entre socialistas e Podemos no que diz respeito aos separatismos catalão e basco.
Mais recentemente foi o candidato do PS às presidenciais francesas, Benoît Hamon, a procurar em Lisboa junto de Costa alguns conselhos para tentar unir a esquerda francesa, órfã de um François Hollande que nem a reeleição tenta e vítima de um Emmanuel Macron que prefere ser centrista a socialista. A acreditar nas sondagens, do que ouviu por cá não tirou proveito.
Inimitável ou irrepetível são termos demasiado categóricos para classificar a fórmula encontrada pela esquerda portuguesa mas, mais do que copiá-la, o resto da esquerda pela Europa fora deverá vê-la como inspiração para ser imaginativa, quebrar tabus. A alternativa pode ser duelos exclusivos entre as direitas ou na melhor das hipóteses um centro vazio de ideologia só a contrariar a hegemonia do lado conservador.