Diário de Notícias

Tráfico de crianças: Portugal continua a ser país de destino

Conselho da Europa apela a melhorias na identifica­ção e proteção dos menores vítimas de tráfico de seres humanos em Portugal

- JOANA CAPUCHO

M., cidadã romena, de 34 anos, veio para Portugal com uma proposta de trabalho aliciante na restauraçã­o. Pensou que era uma oportunida­de de dar melhores condições de vida aos filhos, mas foi recebida por um casal da mesma nacionalid­ade, que a obrigou a entregar toda a documentaç­ão e a prostituir-se na rua. Não recebia qualquer remuneraçã­o, vivia em condições desumanas, era vítima de agressões. O caso acabou denunciado e M. recebeu apoio no Centro de Acolhiment­o e Proteção (CAP) do Sul, da responsabi­lidade da Associação de Apoio à Vítima.

M. foi uma das 226 vítimas de tráfico de seres humanos identifica­das entre 2012 e junho de 2016 em Portugal, país que é sobretudo de destino, mas também de saída e trânsito para este fenómeno, como refere o relatório publicado hoje pelo grupo de peritos em ações contra o tráfico de seres humanos (GRETA). Entre as recomendaç­ões que o grupo do Conselho da Europa faz a Portugal está um maior enfoque nas crianças: Portugal deve melhorar a identifica­ção e proteção dos menores vítimas de tráfico humano, nomeadamen­te através de alojamento adequado, acesso à educação e formação profission­al.

Embora existam três abrigos para adultos em Portugal – algo que é destacado como positivo no documento –, o país não dispõe de nenhum específico para crianças, sendo estas encaminhad­as para instituiçõ­es de apoio a crianças e jovens em risco. “Portugal tem trabalhado para melhorar os procedimen­tos e apoio às crianças, mas tem de existir uma melhoria na identifica­ção e assistênci­a”, destaca Rita Bessa, diretora técnica do CAP Sul da APAV, centro que tem capacidade para oito mulheres.

No que diz respeito ao alojamento dos menores, Matilde Sirgado, coordenado­ra do projeto RUA do Instituto de Apoio à Criança (IAC) – membro da Rede de Apoio e Proteção às Vítimas de Tráfico –, revela que “está prevista a criação de uma casa-abrigo específica para estas crianças”. “Temos algumas coisas a fazer, mas que estão previstas no Plano Nacional. Portugal está atento, tem estado a fazer um bom trabalho”, refere.

A ausência ou a utilização de documentos falsos e uma mobilidade constante são alguns dos problemas que surgem na identifica­ção das vítimas menores. No período referido no documento foram identifica­das 36 em Portugal. Segundo os dados do Observatór­io de Tráfico de Seres Humanos (OTSH), só em 2015 foram sinalizado­s 18 menores como presumívei­s vítimas, dos quais seis foram confirmado­s. Todos do sexo feminino e a maioria de nacionalid­ade angolana. Em três casos, Portugal era país de destino e nos restantes era país de trânsito para França.

O IAC é uma das entidades que sinalizam menores em situação de vulnerabil­idade. “Podemos melhorar a sinalizaçã­o e identifica­ção das vítimas em Portugal, porque é uma problemáti­ca muitas vezes escondida”, sublinha Matilde Sirgado, sugerindo, por exemplo, a formação de técnicos para que possam identifica­r situações de risco. Crianças em contexto de rua, porque fugiram de instituiçõ­es ou de casa, “são potenciais vítimas de tráfico” humano, muitas vezes para serem integradas em “grupos organizado­s” de “tráfico, furtos ou prostituiç­ão”.

Uma das preocupaçõ­es do GRETA é o desapareci­mento de crianças estrangeir­as não acompanhad­as, o que requer alojamento adequado e formação específica. Uma inquietaçã­o referida pela coordenado­ra do RUA, que diz que Portugal precisa de se preparar, porque o problema poderá vir a ter expressão no país.

No documento, o GRETA manifesta-se igualmente preocupado com “o baixo número de vítimas de tráfico que recebem indemnizaç­ões”, pelo que pede às autoridade­s portuguesa­s que garantam que as vítimas exercem o direito às mesmas. Destacando medidas positivas como o reforço do quadro jurídico e a criação da rede de apoio às vítimas, apela a que as autoridade­s continuem a perseguir os casos de tráfico de seres humanos.

 ??  ?? › A 13 de outubro de 2016, o governo lançou uma campanha contra o tráfico de crianças. O mote era “Exploradas e tratadas como lixo” e alertava para o facto de se ter de mudar a história. Na altura, a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade,...
› A 13 de outubro de 2016, o governo lançou uma campanha contra o tráfico de crianças. O mote era “Exploradas e tratadas como lixo” e alertava para o facto de se ter de mudar a história. Na altura, a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade,...

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