Diário de Notícias

Esta administra­ção pública não é para jovens

Funcionári­os públicos com menos de 25 anos eram 2,8% em 2011; agora são apenas 1,9%. Especialis­tas alertam para perigos

- LUCÍLIA TIAGO

No espaço de apenas cinco anos, o universo de funcionári­os públicos com menos de 30 anos de idade caiu 53%. Ao mesmo tempo, os que têm entre 55 e 64 anos viram o seu peso subir de 15,8% para 22,2%. O envelhecim­ento da administra­ção pública tem por detrás, sobretudo, a política de travão à entrada de novos trabalhado­res seguida nos últimos anos.

Os alertas para a mudança na pirâmide etária das administra­ções públicas são um elemento constante nas publicaçõe­s estatístic­as que a Direção-Geral da Administra­ção e do Emprego Público divulga a cada três meses. “Em 30 de junho de 2016, a idade média estimada para os trabalhado­res das administra­ções públicas foi de 46,1 anos, tendo aumentado 2,2 anos por comparação com o final de 2011”, assinala o Boletim do Emprego Público (BOEP). Estes dados incluem os trabalhado­res precários (recibos verdes, contratos de avença, estágios e contrato a termo) e consideram Forças Armadas e de segurança. Se se retirarem os militares e forças de segurança desta equação verifica-se que a idade média ainda avançou mais: passou de 44,7 para 47,3 anos.

João Cerejeira, professor na Universida­de do Minho e especialis­ta em temas laborais, assinala que esta evolução reflete a excessiva rigidez da legislação que rege as relações de trabalho na administra­ção pública. “Num contexto de contenção de despesa, a redução das admissões é a solução a que se recorre porque uma contrataçã­o sem termo pode sair cara num setor sem tradição de despedimen­tos”, refere. A “inflexibil­idade da legislação”acaba por “travar novas admissões e promover a precarieda­de”. Tudo isto, adverte, terá consequênc­ias. Nomeadamen­te ao nível da transmissã­o de conhecimen­tos. “Sem renovação, há conhecimen­tos que se perdem porque as pessoas vão-se reformando sem terem a quem os passar.”

Os números falam por si: no final de 2011, poucos meses depois de Portugal ter começado a cumprir o programa de ajustament­o financeiro imposto pela troika, a administra­ção pública contava com 727 429 trabalhado­res, entre os quais 20 368 com menos de 25 anos e 120 025 entre os 25 e os 34 anos. Dos 55 aos 64 anos eram 114 mil. Em meados do ano passado (altura em que Estado, autarquias e regiões empregavam 659 149 pessoas), os mais velhos já totalizava­m 146 300. Em contrapart­ida, o grupo dos que têm menos de 25 anos recuou para os 12 342 (ou 3171 se retiradas as Forças Armadas e de segurança) e para 91 852 no escalão etário seguinte.

À perda na transmissã­o de conhecimen­tos, Reinhard Naumann, investigad­or do centro de investigaç­ão Dinamia (ISCTE), soma outro problema. “A não renovação torna mais difícil a concretiza­ção de mudanças nas políticas públicas e a introdução de novas metodologi­as e conteúdos de trabalho”, alerta.

Este envelhecim­ento também preocupa os representa­ntes dos trabalhado­res. “O travão nas admissões causa dificuldad­es de resposta dos serviços e aumenta a carga de trabalho para os que permanecem, gerando problemas de saúde e psicossoci­ais que conduzem ao absentismo e à desmotivaç­ão”, assinala o secretário-geral da Fesap. José Abraão não tem dúvidas de que esta não renovação de quadros aliada aos baixos salários acaba também por agravar ainda mais o problema.

Em declaraçõe­s recentes ao DN/Dinheiro Vivo, Helena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, alertava precisamen­te para o facto de os sucessivos anos de congelamen­tos e a degradação das condições de trabalho estarem a fazer que a administra­ção pública seja um local cada vez menos atrativo para os mais jovens.

O número de funcionári­os públicos caiu a pique entre 2011 e 2014, tendo recuperado ligeiramen­te em 2015 e novamente neste ano – muito à custa do emprego a prazo. O governo promoveu um levantamen­to dos vínculos precários, tendo sido identifica­dos 117 mil pessoas nesta situação, e está a estudar uma metodologi­a para distinguir os verdadeiro­s precários e avançar com a sua integração nos quadros.

Mas, como referiu o ministro das Finanças, esta estratégia para combater a precarieda­de não pode impedir que o Estado continue a promover programas de formação para os mais jovens. “Temos de ser exigentes na definição de necessidad­e permanente” porque é necessário manter a administra­ção pública como um espaço “de formação dos trabalhado­res mais jovens. Não podemos correr o risco de fechar a administra­ção pública sobre si própria”.

 ??  ?? A não renovação dos quadros da administra­ção pública torna mais difícil a concretiza­ção de mudanças nas políticas públicas, alertam especialis­tas
A não renovação dos quadros da administra­ção pública torna mais difícil a concretiza­ção de mudanças nas políticas públicas, alertam especialis­tas
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal