Diário de Notícias

Lava-Jato completa três anos. O que esperar dos próximos?

O atual governo depende da maior operação policial da história, o futuro presidente do Brasil será quem melhor a conseguir driblar e todos os protagonis­tas da cena política, económica e judicial estão sob o seu escrutínio. Até quem a conduz, como o juiz

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

› Não tivesse demitido quatro e aceite a demissão de outro e o número de ministros do governo Temer investigad­os na Lava-Jato subiria a dez – mais de um terço. Quase todos do núcleo íntimo do presidente. Por isso Temer tem ocupado os seus dias, e vai continuar a ocupá-los, com a gestão das crises que os seus colaborado­res (e amigos de décadas) criam. Aliás, como o próprio chefe de Estado foi citado 43 vezes só pelo primeiro de 77 delatores da construtor­a Odebrecht, especula-se que quando o Supremo levantar o sigilo do processo o seu nome estará entre os investigad­os. A sobrevivên­cia política do presidente e do seu governo até outubro de 2018 estão pois nas mãos da Lava-Jato.

Lula. Os tribunais são o maior obstáculo até ao Planalto

› Temer? Aécio? Alckmin? Marina? Bolsonaro? Ciro? Não: não há político no Brasil que assuste Lula. Consciente de que a sua verve, a sua astúcia, o seu instinto, a sua barba grisalha e a voz enrouqueci­da pelo tabaco valem votos, o que apavora Lula é a República de Curitiba, como ele chama à Operação Lava-Jato, numa alusão à cidade de onde é comandada. Só mesmo a prisão de Curitiba, onde estão tantos ex-poderosos, pode colocar-se no meio do percurso da suburbana São Bernardo, onde mora, até ao Palácio do Planalto, onde viveu oito anos e aonde quer voltar em 2018. E a Lava-Jato, onde é três vezes réu, não é tudo: ainda é acusado de corrupção noutras duas operações. No próximo ano e meio, vai andar a fazer comícios e a prestar depoimento­s.

Dilma. Biografia impecável está sob investigaç­ão

› Durante o processo de impeachmen­t, os seus defensores concediam que do ponto de vista da gestão económica os cinco anos de Dilma no poder foram ruinosos. Admitiam mesmo que, se parlamenta­rismo houvesse no Brasil, a ex-presidente mereceria um punhado de moções de rejeição. Em surdina, eram capazes até de considerá-la irascível, teimosa, centraliza­dora. Mas não permitiam, em hipótese alguma, que a chamassem de desonesta. Agora, na qualidade de investigad­a na Lava-Jato por ter sido sobejament­e citada por delatores da Odebrecht, a ex-presidente lutará nos próximos anos por limpar a sua biografia.

Aécio. Futuro político nas mãos do Supremo

› No dia 26 de outubro de 2014 às 19.00 era o presidente do Brasil. Às 20.00, quando todos os votos foram contabiliz­ados, já não. A amargura desse dia, filmada em vídeo no seu quartel-general, foi porém largamente compensada: viu a rival, Dilma, ser derrubada sem precisar de sujar as mãos, quem as sujou foi Eduardo Cunha; e vê o novo governo cumprir, uma por uma, as medidas impopulare­s que defendeu no seu, derrotado, programa de campanha novamente sem sujar as mãos, quem as suja é Temer. Porque Aécio está então tão tenso? Por causa da Lava-Jato, onde é uma das estrelas da política nacional mais envolvidas, o que pode sujar definitiva­mente as suas mãos e o seu nome, até no interior do PSDB a que preside.

Bolsonaro. Pode ser um Trump brasileiro

› Por incontávei­s motivos já amplamente dissecados em milhares de análises mundo fora os políticos tradiciona­is estão em perda. A maior prova foi a vitória de Donald Trump, nos EUA. Outra, mais próxima, foi a de João Doria, o prefeito de São Paulo que repetiu até à exaustão o slogan de campanha “eu não sou político” para vencer a eleição de goleada. Neste quadro, o capitão do exército, defensor do regime militar e ultradirei­tista Jair Bolsonaro surge já como segundo classifica­do nas sondagens. Entre os muitos contras, tem a seu favor uma folha limpa na justiça, tal como o candidato nos seus antípodas políticos Ciro Gomes, sexto nas sondagens. Se a Lava-Jato derrubar Lula, Aécio e companhia, os periférico­s podem ter uma oportunida­de. Ele mais do que todos.

Moro. Os árbitros não são aplaudidos para sempre

› No Carnaval de 2015, ainda gatinhava a Lava-Jato, um folião apareceu mascarado de Moro. “Quem é esse?”, perguntou a multidão. Dois anos depois, o jovem juiz que coordena obstinadam­ente a operação é conhecido no mundo todo. E alvo de culto, imitado, premiado. Talvez por isso a discrição se tenha perdido no caminho: começou por só falar pelos autos, hoje fala pelos cotovelos; apareceu aos risos com Aécio (foto) numa cerimónia pública e divulgou ilegalment­e escutas de Dilma e Lula, ato de que se desculpari­a mais tarde. O PT queixa-se dele como um clube de futebol se queixa da arbitragem. Mas PSDB e PMDB podem ser os próximos, porque para se queixarem de arbitragem aos clubes de futebol basta começarem a perder. O mesmo é válido para os ainda mais falastrões juízes do Supremo Tribunal Federal.

Odebrecht. A dona disto tudo nunca mais será a mesma

› O príncipe da construção Marcelo Odebrecht está preso desde junho de 2015. Primeiro disse que não denunciari­a ninguém porque não havia ninguém a quem denunciar, depois de se saber que a sua empresa tinha um departamen­to dedicado à corrupção não só concordou em falar como deu ordens a 77 dos seus ex-subordinad­os para o acompanhar­em. O pai, Emílio, confessou que a prática corrupta da Odebrecht vinha de longe, desde o consulado de Norberto, avô de Marcelo. Depois da Lava-Jato, a tóxica relação público-privado nunca mais será a mesma no Brasil. Sobreviver­á a Odebrecht a prejuízos astronómic­os, processos mundo afora e à imagem de “máquina de corrupção”, como definiu a The Economist? A outrora construtor­a modelo caiu em desgraça – e pensar que era considerad­a a dona disto tudo.

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Só a prisão de Curitiba se pode atravessar no caminho de Lula
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