O sonho do órfão Zé Pardal vive nas películas de Charlot
Companhia de Teatro de Almada estreia este sábado Bonecos de Luz do dramaturgo almadense Romeu Correia pelo centenário do seu nascimento
A adaptação para os dias de hoje de um texto de Romeu Correia, publicado em 1961, que fala da importância da imaginação e da vida interior de cada um
ANA CARREIRA Correia é o convite para Bonecos de Luz, obra recomendada pelo Plano Nacional de Leitura e um dos seus muitos romances, publicado em 1961. A inspiração segue no compasso da magia do cinema para contar a história de Zé Pardal, um pequeno órfão, e inocente pícaro, sem muito teto para aninhar as asas da imaginação, que descobre nas películas de Charlot uma forma de evasão à realidade em que vive. Ou o seu refúgio de sonho.
“O primeiro contacto do Zé Pardal para alcançar uma outra dimensão da sua vida é com Charlot, que aqui é visto como uma espécie de príncipe dos mendigos. A grande mensagem do Romeu Correia é um bocadinho esta – no fundo, se nós formos capazes de criar uma vida interior, conseguimos viver menos mal”, explica Francisco, que se colocou a si próprio o desafio de tecer um “texto neorrealista” numa linguagem de teatro mais contemporânea. Como se olha para ele com os olhos de hoje? “Esse foi o maior desafio, mas a verdade é que há tantos Zés Pardais por aí, por isso é que é uma peça dirigida ao público juvenil e comunidade escolar.”
Os ensaios decorreram, durante um mês e meio, na Casa Amarela da Juventude, no Laranjeiro, um lugar onde a procura da juventude se faz também através da dança e da música, outras formas de arte e se misturam tantas formas de vida. “Acabámos por ir buscar inspiração a todos os que andavam também por ali”, conta o encenador.
Música ao vivo, versatilidade e imaginação de braço dado. No final do ensaio,Vasco Branco, neto do autor, aprova o que viu. “Acho que o espírito da obra do Romeu está todo aqui!”, diz. “O Romeu” – a quem nunca tratou por avô – “teria gostado desta adaptação, tenho a certeza”. Para André Pardal, protagonista e ator da Companhia de Teatro de Almada, a sua personagem “é pura e inocente até ao fim, só queria ter um lugar para viver”, diz. Entre os amigos que descobre, os que perde e os que restam, tal como Charlot, Zé Pardal encara, desde o primeiro ao último minuto, a sua vida com generosidade e alegria. Nem percebe, de início, a esperteza de Nicolau, o dono da maquineta que projeta os filmes de Chaplin, também ele um resistente nas malhas do destino. “Ele também é um sobrevivente, como o Zé Pardal, e arranja forma de se safar, seja qual for a situação”, assegura o ator.
Atleta de competição e campeão de boxe amador, Romeu Correia nasceu em Almada há precisamente cem anos. Destacou-se como ficcionista e dramaturgo, inserindo-se inicialmente na corrente neorrealista. Escritor, poeta e desportista, as suas obras foram sempre marcadas por uma forte ligação às fontes da literatura oral popular, movendo-se frequentemente em ambientes como os do circo, das feiras, do teatro de fantoches ou outros grupos marginais à sociedade.
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