A era dos pais drone
Uma das coisas que os pais mais gostam de fazer é controlar filhos. É uma espécie de hobby. Se não têm mais nada em que pensar, se já foram ao ginásio ou se o trabalho está chato, controlam filhos. Onde estão, com quem, a falar de quê, para onde vão, onde foram, o que fizeram, o que beberam, o que estudaram, o que comeram, etc. Dantes a coisa fazia-se com as vizinhas: “Ó vizinha, dê-me aí um olhinho ao miúdo que eu hoje chego tarde.” Muitas vezes – a maior parte delas – nem era preciso pedir. Havia bufos em todo o lado e as denúncias eram frequentes. “Olhe que ele hoje andou aí na rua com umas companhias que eu nem lhe digo”; ou: “O seu menino já fuma? Não sabia...”; ou ainda: “O seu filho esteve a andar na mota do Zé. A vizinha deixa, não deixa?” Crescemos aperfeiçoando a técnica de fugir ao controlo dos pais e aos bufos, já os pais viram-nos crescer rendidos ao sábio princípio do “prefiro nem saber”. Por opção ou não, a verdade é que na era antes dos telemóveis os pais tinham a noção de que não controlavam tudo, por opção ou não a nossa liberdade era respeitada. Aos pais restava-lhes confiar e os filhos, se queriam liberdade, tinham de provar que eram confiáveis. Era assim ou estávamos tramados. Com o telemóvel tudo mudou. Com o telemóvel os miúdos andam com os pais no bolso para todo o lado. Tipo drone. É assustador. Os pais agora podem estar na passadeira do ginásio a fingir que são pais só porque controlam os filhos através de mensagens, telefonemas, FaceTime, etc.. Sem esforço conseguem seguir as pegadas dos miúdos substituindo-se a mil vizinhas. São amigos dos amigos deles, metem-se na sua vida social, fazem tudo para lhes ler os pensamentos e ficam chocados quando apanham os diálogos com os amigos quando os miúdos se esquecem do log off. Se dantes era criminoso ler os diários dos filhos, hoje é considerado um direito dos pais ler os sms dos filhos. Um dever até. É verdade que os miúdos podem arranjar desculpas para não atender as chamadas, desligar o telemóvel ou bloquear o pais no FB, mas o “fiquei sem bateria” é o que resta da liberdade deles. Os miúdos aderem aos telemóveis, tipo contrato de adesão daqueles de que só por morte nos conseguimos desvincular, sem terem noção de que vivem com uma trela virtual. Mas com isto os pais deixam de ter a necessidade de confiar – porque confiam no telemóvel – e os filhos a necessidade de se esforçarem por merecer a confiança – porque o escrutínio à sua responsabilidade é feito a toda a hora pelo telemóvel. Devia ser proibido os pais terem o número dos filhos, é que assim nem se dão ao trabalho de os conhecer: telefonam-lhes e pronto.