A América de Trump
Para lá do ritmo louco com que vai comunicando no Twitter – tirada após tirada, ao ritmo de 140 caracteres cada –e à margem do discurso caótico, revanchista, infantil e muitas vezes inapropriado em eventos oficiais, nesta semana tivemos acesso, em letra de forma, aos planos de Donald J. Trump para tornar a América grande outra vez. A proposta de orçamento assinada pela administração Trump é todo um programa. Qualquer orçamento oé, e é precisamente essa uma das poucas virtudes deste documento. Deixa-nos espreitar as reais intenções de quem lidera a maior democracia do mundo.
O plano já foi comparado ao Orçamento que Ronald Reagan apresentou no início do seu mandato, em 1981, sobretudo devido ao reforço dos gastos com o sistema de defesa, assegurado pelo desinvestimento noutras áreas do Estado, como a EPA, a agência de proteção ambiental, ou o Departamento de Estado, o que demonstra o desprezo pela diplomacia clássica e a verdadeira prioridade desta administração – America first. Em primeiro, mesmo que seja isolada e alheada dos aliados mais próximos.
Até aqui, pouco haveria a dizer. São opções de política e nem sequer são inéditas. A questão é que este programa é acompanhado por um discurso verdadeiramente disruptivo, destrutivo, que nos revela a verdadeira dimensão da insanidade que tomou conta da Casa Branca. Programas como o Meals on Wheels – apoio domiciliário a idosos carenciados, com distribuição de comida –, ou as refeições distribuídas a crianças pobres em idade escolar, foram descartados com o argumento de que não funcionam, não “dão resultados”. O golpe drástico no orçamento da EPA foi acompanhado com um definitivo “não vamos gastar mais dinheiro nisso!”, sendo o “isso” a investigação e o combate às alterações climáticas. Cortes? Não. O porta-voz da Casa Branca diz que essa é uma perceção falsa que existe em Washington, de que quando se recebe menos dinheiro quer dizer que houve um corte.
A América está a ficar diferente e, acreditem, aconteceram muito mais coisas preocupantes na última semana de política norte-americana. Subitamente, começou a falar-se em “opções militares” para o impasse com a Coreia do Norte, por exemplo. O essencial é não perdermos o foco com imagens divertidas como a de Angela Merkel, ontem na Casa Branca, a perguntar a um aparentemente surdo Trump se queria apertar-lhe a mão para a fotografia da praxe. A verdade é que as apostas são demasiado altas para sorrirmos.